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Você sabe o que é metacognição?

Metacognição prediz sucesso escolar ou profissional melhor que o QI! E ela pode ser treinada. Entenda melhor neste artigo do médico Kald Abdallah

Kald Abdallah* Publicado em 02/12/2024, às 06h00

O médico Kald Abdallah
O médico Kald Abdallah

Há 22 anos, após ler um livro sobre pensamento crítico, comecei a praticar a metacognição. 17 anos atrás eu me mudei para os Estados Unidos, e recentemente voltei ao Brasil. Uma das coisas que mais me chamaram a atenção desde que voltei é a direção do diálogo. As conversas que tive com muitas pessoas desde a minha volta me deixaram surpreso e assustado.

A linha de raciocínio e o conteúdo de cada conversa me parece mais um barco à deriva durante uma tempestade. Várias vezes interrompi a conversa para tentar entender do que estávamos falando, e frequentemente as pessoas ficavam surpresas. Quando os processos mentais são caóticos, o diálogo está à deriva, e aparentemente muitas pessoas acham isso normal.

Algumas vezes, pacientemente tentei estruturar melhor a conversa para entender o assunto que estávamos conversando e, ao mesmo tempo, me posicionar mais claramente neste assunto. A conversa então fica um tanto desconfortável para a pessoa, pois percebo que frequentemente ela não tem consciência de que a linha do pensamento está sem direção.

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A pessoa está frequentemente no piloto automático, repetindo jargões, slogans, frases pré-definidas, com a atenção sem direção e sem compromisso com o assunto em questão. Já imaginou o impacto na habilidade de pensar de alguém no decorrer de anos de diálogos mal estruturados? Porém, para melhorar o diálogo, a linha do pensamento tem que ter direção. Para receber visitas bem, precisamos arrumar a casa.

Metacognição é uma palavra complicada para definir "pensar à respeito do nosso próprio pensamento", ou seja, refletir à respeito do processo pelo qual pensamos, tomamos decisões, fazemos análises, chegamos a conclusões ou sabemos algo. Ou caso queira uma definição mais formal, metacognição é a habilidade de representar, monitorar e controlar processos cognitivos. Refletir sobre nosso pensamento melhora a qualidade do processo de pensar.

O pensamento tem uma certa similaridade com o conceito de software em um computador: desenvolver a metacognição irá permitir um processo contínuo de refinamento desse software, treinando assim a nossa capacidade de pensar melhor. É possível perceber claramente as pessoas que não têm nenhuma habilidade metacognitiva, pois não há uma consciência de como o processo de pensar pode ser diferente. É como um software que nunca recebe atualizações.

Uma pessoa que utiliza diferentes estratégias metacognitivas irá continuamente melhorar a qualidade do processo cognitivo, que leva a um desenvolvimento e refinamento do conhecimento, decisão, análise, entre outros processos cognitivos. Há um volume muito grande de evidências demonstrando que uma habilidade metacognitiva sofisticada se correlaciona com sucesso na escola, na vida profissional e na vida pessoal também. Isto faz muito sentido, pois de uma certa forma, o indivíduo com uma alta capacidade metacognitiva tem um software mental continuamente atualizado e refinado. A vida melhora quando se pensa bem.

Metacognição é um conceito difícil de conceber na grande maioria das pessoas e pensar sobre o nosso próprio pensamento não é natural, assim como escovar os dentes com a mão não dominante. Porém, este processo pode ser treinado, permitindo criar mecanismos que irão desenvolver a cognição de cada um.

Gostaria de enfatizar que não estou propondo que cada um aprenda um o volume maior de conhecimento, ou seja, aumente a quantidade de dados e informações acumuladas. A metacognição busca refinar o processamento destes dados e informações - o objetivo não é saber mais, mas pensar melhor.

Nas minhas décadas de mentoring, eu sempre enfatizei muito uma revisão autoanalítica do processo de decisão. Como você decide pode ter um impacto profundo na sua vida. Lembro-me bem o desconforto cognitivo que as pessoas que eu mentoreava descreviam quando eu fazia uma sabatina sobre o processo de decisão deles ou delas. Eu costumava perguntar, "como você decide? Como você coleta informações para tomar uma decisão? Você costuma consultar alguém antes de decidir?", entre muitas outras perguntas. Outra pergunta que sempre faço, "como você sabe isso? Você tem uma referência? Existem evidências do contrário?"

Outro exemplo de como você pode treinar a metacognição é quando uma criança nos faz uma pergunta e, com paciência, conversamos com esta criança refletindo sobre a pergunta, sem dar a resposta. Esta abordagem estimula o desenvolvimento metacognitivo dessa criança. Outra atividade que treina nossa metacognição é refletir em relação à tomada de decisões ou saberes do passado e ativamente dissecar o processo pelo qual este conhecimento foi adquirido ou a decisão foi tomada. Atividades como diários (escritos ou de voz) nos quais refletimos sobre como estamos pensando, podem também fortalecer a nossa metacognição.

Dentro da minha profissão, tomar decisões era um dos processos cognitivos mais importantes. Sempre busquei refletir cuidadosamente em como eu tomaria a decisão. Vale a pena coletar mais informações? Eu sei o suficiente a respeito do assunto? O conhecimento que eu tenho hoje está atualizado? Existem alguns especialistas que podem discutir esta decisão e informá-la? Entender um processo cognitivo e sistematicamente dissecar vários aspectos deste processo necessita uma reflexão cuidadosa e um esforço mental significativo. Você precisa de atenção e foco para treinar a sua a habilidade metacognitiva.

Existem inúmeras abordagens diferentes para se treinar a metacognição. Um dos exercícios que eu recomendo é este: no final do dia, grave um áudio ou anote uma descrição de um pensamento daquele dia (pode ser uma decisão ou uma conclusão ou uma dúvida, mas sempre apenas um). Alguns dias depois volte a esse áudio ou anotação e ativamente tente entender o processo pelo qual você pensou aquilo.

Caso tenha sido uma decisão, reflita na qualidade da decisão, nas potenciais alternativas, na fonte de informações que apoiaram a decisão entre outros aspectos. No exercício metacognitivo, é importante focar a análise em um único processo, ou seja, pensar cuidadosamente sobre um tópico de cada vez, para evitar a ruminação.

É importante diferenciar a metacognição da ruminação, a atenção a si mesmo que é motivada pela percepção de ameaça, perda ou injustiça potencial ou atual. A metacognição é um processo ativo, analítico, que busca o entendimento e o crescimento, com consciência ativa sobre como você pensa, aprende e decide, que examina o processo de pensamento, focado em desenvolver estratégias cognitivas. A ruminação tem uma carga emocional maior e não costuma progredir significativamente o entendimento. Ou seja, a ruminação é um processo passivo, repetitivo e circular que não traz progresso, associada a emoções negativas (rejeição, injustiça, ressentimento).

Outro processo que deve ser diferenciado da metacognição é o mindfulness, que é estar presente no momento de agora, prática não crítica e não julgadora, passiva, voltada para a aceitação do momento presente. Mindfulness pode trazer muitos benefícios quando praticado, porém, não visa examinar sistematicamente processos cognitivos com o objetivo de melhorá-los.

Criar um hábito diário de refletir e desenvolver capacidades metacognitivas poderá ser transformador no decorrer de meses a anos, com uma melhora significativa em todos os processos cognitivos e indiretamente na qualidade do seu diálogo, mas não é um processo fácil ou natural.

Podcast Conexão Sapiens – A ciência desvendando você!

Meu nome é Kald Abdallah, sou paranaense, cresci numa cidade pequena no norte do Paraná chamada Borrazópolis. Eu sou médico formado pela Universidade Estadual de Londrina (minha querida UEL). Fiz residência e doutorado na Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, pós-doutorado pela Faculdade de Medicina da Universidade de Harvard, em Boston nos EUA. Já trabalhei na prática clínica, como professor de medicina, executivo e pesquisador.

Há 23 anos me dedico a luta contra o câncer, nos últimos 17 anos morando e trabalhando aqui nos EUA. Recentemente, comecei um projeto que tem sido uma verdadeira paixão para mim: o Conexão Sapiens – A ciência desvendando você! É um podcast que busca ir além das estórias passageiras, oferecendo uma exploração profunda e duradoura com o objetivo de sintetizar a ciência no apoio a sua jornada de crescimento social, pessoal e cognitivo. Esta síntese é o resultado de mais de 2 décadas de estudo.

Convido você a participar dessa jornada de crescimento social, pessoal e cognitivo comigo!

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