O médico Kald Abdallah, apresentador do podcast Conexão Sapiens, fala desta vez sobre amor materno
Kald Abdallah* Publicado em 14/08/2024, às 06h00
“Quando eu vi meu bebê pela primeira vez, senti meu corpo todo acordar, como se eu tivesse mergulhado dentro de um lago quente. Uma emoção tão profunda que eu nunca havia sentido antes, como se minha filha estivesse brilhando. Nada mais era importante, aquele bebê lindo era tudo para mim. Eu me senti a pessoa mais poderosa e a mais vulnerável ao mesmo tempo. A alegria de ver aquele bebê chorar me encheu de esperança e ansiedade. Uma responsabilidade que eu nunca tinha tido antes.”
Foi assim que uma mãe descreveu o que ela sentiu para mim. Não é possível falar da socialidade humana sem falar de amor, que foi inicialmente forjado pela evolução através de milhões de anos do relacionamento entre mãe e bebê, esta relação é o alicerce da espécie humana. O amor materno se forma muito rapidamente através de vias neurobiológicas muito profundas, envolvendo a ocitocina entre outros biomediadores. O amor entre mãe e bebê é a pedra fundamental da socialidade humana.
Os mesmos mecanismos que levaram a formação do amor entre o bebê e a mãe, se expandiram e começaram a criar relações de amor entre todos os membros da família e do bando. O amor materno se espalhou pela tribo, formando uma das diferenças mais fundamentais entre o ser humano e todos os outros primatas - O amor ocorre entre amigos, avos e netos, pai e prole, entre irmãos, em uma intensidade e frequência muito maior que qualquer outra espécie. A forma como a ocitocina e outros biomediadores modificam o nosso cérebro para intensificar e aprofundar as conexões sociais com indivíduos que amamos é superinteressante.
Quando você vê alguém que ama, tudo o que acontece entre vocês, é gravado de uma forma muito mais profunda e significativa no nosso cérebro. O que pode ser uma faca de dois gumes, pois tanto boas quanto más memórias são lembradas mais intensamente. A ocitocina aumenta o volume e a significância de cada evento dentro de uma interação com alguém que você ama. O amor marca profundamente dentro da gente todas as memórias, o que significa que quando cultivado, pode ter uma profundidade e intensidade tremenda, trazendo uma alegria indescritível. Porém o oposto também é verdadeiro, ninguém machuca tanto quanto a pessoa que você ama.
O bebê humano é vulnerável e continua vulnerável por anos, demandando o tempo e atenção dos adultos por mais de uma década. O aprendizado humano é lento, e a contribuição das crianças é baixa na primeira década de vida, principalmente nos dias de hoje. Em uma comunidade com 50 a 150 pessoas, como a sociedade humana antes da invenção da agricultura, cuidar das crianças era algo natural e todos da aldeia participavam, as crianças também cuidavam umas das outras, os mais velhos cuidando dos mais jovens, e todos brincavam e aprendiam juntos.
O cuidado dos mais velhos com os mais jovens e a brincadeira formavam laços sociais e desenvolviam a cognição social, emocional e moral. Amizades formadas na infância duravam frequentemente a vida toda. Adultos cuidavam dos mais velhos pois estes foram as pessoas que cuidaram deles quando eram jovens, o relacionamento entre as gerações era profundo.
O bebê humano nasce sem habilidades e extremamente vulnerável, do ponto de vista de sobrevivência isso não faz sentido, a não ser que este bebê seja recebido dentro de uma sociedade que ama, ensina e cuida - esta segunda parte faz a equação humana ter sentido, especialmente porque esta fórmula possibilita a formação de indivíduos únicos e altamente diferenciados, com habilidades flexíveis e relações sociais profundas.
Portanto, o segredo da felicidade inclui o amor, que é um ingrediente fundamental, porém não o único, o amor deve ser combinado com consideração, ensino, cuidado, gentileza, respeito, que irão criar um ambiente em que as pessoas se sentem seguras psicologicamente e integradas na rede social. Um casal que se ama, deve se respeitar e tratar um ao outro com carinho, caso queiram preservar este amor a longo prazo. O pai que ama o filho deve cultivar esta relação a cada interação, assim a chance da próxima interação ser mais amorosa cresce ainda mais.
Os humanos evoluíram ao longo de milhões de anos para formar uma sociedade ultrassocial, flexível, diversificada e altamente colaborativa. Amor e amizade são apenas dois exemplos de muitos fenômenos que surgiram ao longo desses milhões de anos para fortalecer a conexão entre cada um de nós. Fomos projetados para amar e cuidar uns dos outros. Esta sociedade ultra conectada permite níveis de adaptabilidade e colaboração nunca vistos entre mamíferos.
Entender como a ciência vê os princípios da individualidade e sociabilidade humanas nos permite olhar para nossas próprias vidas com uma perspectiva única. Aplicar os princípios de nossa humanidade na nossa vida diária abrirá o caminho para uma sociabilidade e individualidade saudáveis, ou seja, os princípios da pró-sociabilidade humana criam um terreno fértil para a amizade e o amor florescerem, permitindo a intimidade e um ambiente que é seguro o suficiente para que sejamos vulneráveis sem medo.
Entender como o lobo frontal e a amígdala são partes do mesmo sistema, onde a racionalidade e a emoção formam partes de um todo, onde o indivíduo e a rede social que o cerca são realmente uma única unidade. Este sistema quando saudável é ultra conectado, seguindo os princípios mais fundamentais da nossa humanidade, cultivando indivíduos coerentes, autônomos, integrados e com um profundo senso de pertencimento. Indivíduos que estão totalmente integrados à rede social na qual pertencem, cheios de amor e amizade – herança do amor materno primordial.
Meu nome é Kald Abdallah, sou paranaense, cresci numa cidade pequena no norte do Paraná chamada Borrazópolis. Eu sou médico formado pela Universidade Estadual de Londrina (minha querida UEL). Fiz residência e doutorado na Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, pós-doutorado pela Faculdade de Medicina da Universidade de Harvard, em Boston nos EUA.
Já trabalhei na prática clínica, como professor de medicina, executivo e pesquisador. Há 23 anos me dedico a luta contra o câncer, nos últimos 17 anos morando e trabalhando aqui nos EUA. Recentemente, comecei um projeto que tem sido uma verdadeira paixão para mim: o Conexão Sapiens – A ciência desvendando você! É um podcast que busca ir além das estórias passageiras, oferecendo uma exploração profunda e duradoura com o objetivo de sintetizar a ciência no apoio a sua jornada de crescimento social, pessoal e cognitivo. Esta síntese é o resultado de mais de 2 décadas de estudo.
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