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Educação antirracista: o ponto de partida se dá em casa

A educação antirracista não é tarefa da escola apenas — é um compromisso diário das famílias para formar crianças empáticas e corajosas

Leo Bento* Publicado em 23/10/2025, às 06h00

Dez mãos de cores de pele diferentes com os punhos fechados
Abordar o antirracismo é falar sobre caráter, sobre ensinar os filhos a serem aliados, justos e solidários. - Foto: Canva Pro

A educação antirracista deve ser uma prática cotidiana, iniciando em casa e sendo reforçada nas escolas, com o objetivo de promover justiça e empatia entre as crianças.

O silêncio das famílias sobre o racismo pode transmitir a aceitação desse comportamento, enquanto a educação antirracista fortalece a autoestima e prepara as crianças para enfrentar a discriminação.

Escolas têm a responsabilidade de apoiar as famílias no debate sobre raça, oferecendo recursos e promovendo diálogos que incentivem a formação de crianças empáticas e justas, transformando a sociedade gradualmente.

Resumo gerado por IA

A educação antirracista não é um “tema escolar”, tampouco uma pauta que se limita ao mês de novembro. Ela é - ou deveria ser - uma prática cotidiana, que começa dentro de casa e se fortalece quando famílias e escolas caminham juntas. Falar de racismo com as crianças é, acima de tudo, falar sobre justiça, empatia e coragem. E esse diálogo precisa ser explícito, direto e contínuo.

O silêncio das famílias diante do racismo ensina mais do que se imagina. É aquela história: o “não tomar partido” já é um posicionamento. Quando pais e mães deixam de nomear o racismo, deixam também de designar o que seria essa injustiça. É dentro de casa que a criança aprende a olhar o mundo - e é ali que ela percebe se a diversidade é motivo de celebração ou de desconforto. Educar de forma antirracista é garantir que esse olhar seja aberto, sensível e ativo diante da diferença.

Isso começa com gestos simples: oferecer livros, filmes e brinquedos que mostrem pessoas negras, indígenas e asiáticas em papéis de protagonismo e alegria - não apenas em narrativas de dor. Ter bonecos de diferentes tons de pele, lápis “cor de pele” em vários tons, ou livros com personagens diversos não é detalhe estético; é estratégia pedagógica. É mostrar às crianças que o mundo é plural e bonito justamente porque é diverso.

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As crianças aprendem muito mais pelo exemplo do que pelo discurso. Quando um adulto ri de uma piada racista ou se cala diante de uma situação de discriminação, a criança entende que esse comportamento é aceitável. Mais do que isso, assimila aquela situação como um valor. O contrário também é verdadeiro: quando ela vê seus responsáveis reagindo com firmeza e respeito, aprende que combater o racismo é parte da vida em sociedade.

Nas famílias negras, essa conversa ganha um contorno ainda mais profundo: é preciso fortalecer a autoestima e preparar as crianças para um mundo que nem sempre as acolhe. É papel da família ensinar que ser negro é motivo de orgulho - e, ao mesmo tempo, dar ferramentas para enfrentar o racismo estrutural, desde microagressões até abordagens policiais. É uma educação que salva vidas.

As escolas, por sua vez, precisam assumir o compromisso de ampliar esse debate. A responsabilidade pedagógica inclui também apoiar as famílias, oferecendo espaços de diálogo, oficinas e materiais que incentivem a conversa sobre raça em casa. Um “Guia Familiar Antirracista” com sugestões de livros, filmes e perguntas que pais e mães podem fazer aos filhos é um bom ponto de partida. Evitar eufemismos é essencial: é preciso dizer “racismo” e “antirracismo” com todas as letras.

Muitas vezes, o desafio está justamente nas famílias brancas ou privilegiadas, que resistem ao tema. Nesses casos, é importante deslocar o debate do campo da culpa para o campo dos valores. Abordar o antirracismo é falar sobre caráter, sobre ensinar os filhos a serem aliados, justos e solidários. Uma escola que convida as famílias a refletirem sobre “como formar crianças corajosas e empáticas” abre uma porta mais efetiva do que aquela que impõe um discurso moralista.

Venho trabalhando com escolas que desejam transformar o tema racial em prática cotidiana. Por meio de grupos de estudo, comitês antirracistas e formação continuada, incentivamos comunidades escolares - professores, gestores e famílias - a refletirem sobre o papel de cada um nessa construção. É um caminho de aprendizado coletivo, de escuta e de reparação.

Educar de forma antirracista é um gesto de amor e responsabilidade. É contar às crianças, com palavras e atitudes, que todas as vidas importam, já dizia o ilustre Nego Bispo - e que a cor da pele nunca deve definir quem pode sonhar mais alto. Quando famílias e escolas se comprometem com essa tarefa, elas não apenas educam: elas transformam o mundo, uma conversa de cada vez.

Leo Bento é consultor, palestrante e sócio-fundador da Inaperê Consultoria, e auxilia escolas e empresas a promover a diversidade e a equidade.

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