O colunista Antoune Nakkhle, pai de uma adolescente preta, fala sobre as últimas notícias de racismo nas escolas e levanta várias questões importantes
Antoune Nakkhle* Publicado em 03/05/2024, às 06h00
O crime de racismo ocorrido na Escola Vera Cruz recentemente destaca dois pontos essenciais: precisamos proteger a vítima e aperfeiçoar cada vez mais os processos educativos antirracistas. Especialistas destacam a importância de punir menos e educar mais dentro do ambiente escolar em processos pedagógicos contínuos.
Pelo que se nota, proteger a vítima do trauma que viveu e, ao mesmo tempo, fazê-la encontrar diariamente suas agressoras na escola, não parece humanamente viável. Imagine-se no lugar da vítima. O que você sentiria nesta situação?
É essencial, principalmente para nós, brancos, fechar os olhos e imaginar por dez segundos o seguinte: se um aluno que estudasse na escola da sua filha a estuprasse no banheiro; se uma aluna roubasse o celular do seu filho durante o intervalo; se uma criança entrasse na escola com uma arma branca na mochila e cortasse o braço de seu filho - o que você e seus filhos sentiriam? Pois é. E se seu filho apanhasse, fosse discriminado ou sofresse bullying e racismo dentro da escola? Certamente você e seu filho sentiriam uma imensa insegurança e um desamparo indescritível.
A mesma insegurança sente uma vítima de racismo quando seu agressor permanece na escola ou na mesma sala de aula após cometer a agressão.
Pode um criminoso (ou infrator, se for menor de idade), independente do tipo de crime que tenha cometido, seguir frequentando a escola ao lado dos seus filhos? Garanto que na prática os autores dos outros crimes que citei acima seriam expulsos, pois do contrário ofereceriam risco às pessoas do seu entorno.
Para mim, quando o assunto é racismo, punição e educação antirracista precisam andar em paralelo. O racismo mata.
Acredito que neste caso específico ocorrido na Escola Vera Cruz, o desligamento das alunas da instituição é urgente e pode ser o início de um processo educativo – tanto dentro da escola quanto para as agressoras. Não se trata de punir por punir ou punir sem educar. Trata-se de fazer o possível para priorizar a proteção da vítima e dar todo o suporte para que ela seja cuidada, acolhida e amparada por profissionais da saúde mental - psicólogos, psiquiatras, psicanalistas e terapeutas. Ao mesmo tempo, aprofundam-se os processos antirracistas dentro da escola.
Quanto às agressoras de 15 anos, sim, elas devem ser orientadas e acompanhadas também - ninguém aqui está criminalizando a juventude -, mas longe, bem longe da vítima agredida por elas e não no mesmo ambiente escolar.
Quando minha filha tinha sete anos, sofreu crime de racismo na escola. O garoto chamava Gabriela e outra colega também preta de “macaca cor de bosta”. Isso durou seis meses, até nossa filha se sentir à vontade para nos contar. Imagine o sofrimento dela enquanto não contava para nós – seja porque estivesse tentando entender ou mesmo porque sentisse vergonha de estar passando por uma situação tão doída sem ter feito nada para o garoto. É aí que podem começar os danos mentais causados pelo racismo sobre uma pessoa. Escrevi um artigo detalhando esta situação vivida por Gabi e por nós, os pais, aqui na coluna.
Vamos tentar parar de pensar como brancos e começar a ter empatia na prática e não apenas nas frases feitas. O assunto é radical e urgente. Se o racismo mata, o processo de morte começa assim, como ocorreu no Vera Cruz – agressoras cometendo crime de racismo sem receber consequência efetiva por parte da escola, sem que a Escola dê uma resposta à sociedade e, principalmente, sem cuidar como se deve de quem foi agredido. A prioridade sempre deve ser a vítima.
Só para não passar despercebido, convido você a ser lembrar, mais uma vez, de duas coisas: somos todos racistas. E racismo é problema dos brancos, não dos negros.
O mundo pede por atitudes antirracistas. E nós, brancos, devemos isso ao povo negro. É o mínimo que podemos fazer.
*Antoune Nakkhle é jornalista, assessor de comunicação e imagem e pai da Gabi, de 19 anos. Mulher preta e adotada. Um pai branco de filha preta.
paibrancofilhapreta@gmail.com
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