Aluno, com autismo, teria sido obrigado a tapar a boca com fita. Escola diz que foi uma atividade em classe. MPSP arquivou inquérito por falta de provas
Patricia Alves* Publicado em 11/12/2025, às 11h47

O inquérito policial sobre a professora Sandra Garutti, acusada de maus-tratos a Miguel, um aluno com Transtorno do Espectro Autista, foi arquivado devido à falta de provas que comprovassem as denúncias, incluindo a análise de vídeos que mostraram um ambiente descontraído durante o incidente.
A mãe de Miguel, Renata, relatou que a professora colocou fita crepe na boca do filho, mas as investigações revelaram que Miguel não aparentava estar em sofrimento e até interagiu positivamente com Sandra após o episódio.
Embora o caso tenha sido arquivado, a escola se comprometeu a adotar medidas internas para aprimorar o trato com os alunos, e a professora foi afastada de suas atividades enquanto o setor jurídico da escola apura os fatos.
Assim, realizou-se exame minucioso dos vídeos, deles se extraindo que, de fato, a averiguada colocou fita crepe em formato de “X” na boca de ****, porém ele, durante o episódio, sorri e parece descontraído, assim como **** e os demais alunos também parecem estar em clima de descontração, nada havendo a sugerir que se tratava de um castigo excessivo à criança, tampouco que a atitude provocou vexame. Além disso, ****, minutos após a cena, e antes de ir embora para casa com o final da aula, procura despedir-se de **** com um toque de mão, seguido de um abraço, o que reflete o seu estado de ânimo tranquilo."
...Segundo apurado, *** é professora no Colégio Paulicéia, situado no endereço acima descrito, e **** é um de seus alunos, diagnosticado com Transtorno do Espectro Autista (TEA) nível 1. Na ocasião dos fatos, ao fim de um dia de aula, na própria sala e em frente aos demais alunos, **** colocou uma fita crepe na boca de ****, em formato de “X”, com o intuito de silenciá-lo. Os fatos foram relatados pela criança à mãe...
...A mãe também registrou boletim de ocorrência acerca dos fatos e apresentou petição, através de advogado constituído, requerendo a instauração de inquérito policial em face da professora, da diretora e dos proprietários do Colégio, sendo a petição instruída com gravação da reunião havida entre eles....
...A mãe foi ouvida a fl. 28. Disse que seu filho, criança com TEA, nível 1, e estudante do Colégio Paulicéia, disse, no dia dos fatos, ao chegar em casa, que a professora teria colocado uma fita crepe em sua boca durante o período de aula e diante dos amigos de sala. Ainda disse que retirou a fita, porém a professora recolocou-a, com intuito de calá-lo. Após tomar conhecimento dos fatos, a mãe disse que procurou a escola para esclarecimentos, e gravou a conversa havida com a proprietária...
...A professora disse que, no dia dos fatos, as crianças da turma estavam bem agitadas, pois, antes da declarante ministrar sua aula, eles tiveram aula de educação física na própria sala, o que os frustrou, pois queriam ir para a quadra jogar bola. Na ocasião, estava aplicando uma atividade, e alguns alunos foram para a sala de informática com a assistente, ao passo em que outros ficaram no interior da sala de aula sob seus cuidados. Em dado momento, passou a brincar com as crianças, inclusive com ****, afirmando que ele era quem mais interagia com a declarante e com os demais colegas. Pediu que eles se acalmassem e realizassem a atividade e, em tom de brincadeira, pegou uma fita crepe no armário e colocou dois pedaços em formato de “x” na boca de ****. Disse que sua intenção era brincar com ele, sendo que nunca pretendeu ofendê-lo, castigá-lo ou constrangê-lo. Na sequência, **** tirou a fita e, interagindo com ele, recolocou-a. Ele sorriu durante a brincadeira. Após cerca de 15 minutos a aula se encerrou e, antes de ir embora, **** foi em sua direção, cumprimentou-a com um toque de mão, e a abraçou. Refletindo melhor sobre os fatos entendeu que foi infeliz em sua brincadeira e está arrependia, sendo que, inclusive, gostaria de pedir desculpas, porém não teve mais contato com ****. ...
...O pedido de prisão provisória da investigada e dos representantes do Colégio, exarado pela mãe, foi indeferido...
...Relatório final foi apresentado pela d. Autoridade Policial, sem que houvesse indiciamento...
...O caso comporta arquivamento, uma vez que não há elementos suficientes acerca da materialidade delitiva para a deflagração de ação penal...
...O inquérito se desenvolveu a partir das declarações da mãe, e contou com esclarecimentos prestados pela averiguada, pela diretora do Colégio e pelos seus proprietários, que forneceram as imagens dos fatos, captadas pelas câmeras de segurança do Colégio...
...Assim, realizou-se exame minucioso dos vídeos, deles se extraindo que, de fato, a averiguada colocou fita crepe em formato de “X” na boca de ****, porém ele, durante o episódio, sorri e parece descontraído, assim como a professora e os demais alunos também parecem estar em clima de descontração, nada havendo a sugerir que se tratava de um castigo excessivo à criança, tampouco que a atitude provocou vexame. Além disso, ****, minutos após a cena, e antes de ir embora para casa com o final da aula, procura despedir-se da professora com um toque de mão, seguido de um abraço, o que reflete o seu estado de ânimo tranquilo...
...Não se olvida, como destacaram a diretora e a proprietária, o desacerto da atitude da professora – que também se disse arrependida ao refletir melhor sobre o episódio, porém, apenas com o que consta dos autos, não se revela tenha ela incorrido, dolosamente, na prática de maus tratos em face de ****, com a exposição a perigo de sua vida e/ou saúde.
...Também não há como enquadrar o caso no tipo penal descrito no artigo 232, do Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei no 8.069/90), considerando que as imagens mostram completa ausência de constrangimento e, ainda por cima, carinho da professora para com o aluno, havendo reciprocidade...
...É perfeitamente compreensível o drama experimentado pela família, que faz o seu melhor para bem cuidar da integridade do filho. Porém, como destacado, o caso, com a prova produzida na investigação, descarta com segurança a existência de crimes. Não é, absolutamente, algo a ser enfrentado no Direito Penal. Certamente, as experiências e reflexões que ele provocou servirão para reciclagem não apenas da investigada, porém também para amadurecimento da escola, sua coordenação e corpo diretivo integral, sendo o melhor resultado que se pode tirar do inquérito...
...Desse modo, dada a inexistência de elementos a delinear a materialidade delitiva, revela-se inviável o oferecimento de denúncia...
...Diante do exposto, determino o arquivamento do presente inquérito policial, ressalvado o disposto no artigo 18, do Código de Processo Penal, para a eventual reabertura do caso com o aparecimento de provas novas...
...Submeto a presente manifestação ao controle judicial, fazendo-o nos próprios autos. Em observância ao artigo 28, caput, do referido estatuto, determino, ainda, ao Oficial de Promotoria de meu cargo que, à luz da decisão proferida pelo STF (ADI 6299), faça a comunicação do presente arquivamento a genitora do ofendido e, em caráter excepcional, também da investigada, da diretora e dos proprietários do Colégio, por e-mail, whatsapp, ou outro meio constante do inquérito, para que reflitam todos, com adoção de medidas internas aptas ao aprimoramento do trato com os alunos, dando-se certidão pormenorizada no prazo de dez dias...
O advogado da família do menor, Marcelo Válio, especialista em Direito dos Vulneráveis, entrou com recurso contra a decisão pelo arquivamento. Segundo ele, a decisão é a absurda e o vídeo não teria sido analisado corretamente: "Estão interpretando a criança como se fosse típica e ela é atípica, ela não tem noção posterior a maus-tratos".
A mãe da criança, Renata, disse que está inconformada com a decisão e fez a declaração abaixo:
"Acredito que, no Brasil, ainda temos muito a evoluir quando falamos em defesa dos vulneráveis. Discursa-se tanto sobre inclusão, garantia de direitos e proteção mas, na prática, isso está longe de acontecer. A própria Justiça deixa a desejar, e a impunidade que vemos todos os dias só alimenta ainda mais mortes, agressões e violência. A violência psicológica deixa marcas profundas. Não existe “carinho” com fita adesiva na boca de um autista. Isso é humilhação, é constrangimento. É um recado claro para todos ao redor: silencia-se quem é considerado mais fraco. E pergunto: qual mãe se sente confortável em entregar seu filho nas mãos de uma professora que, em breve, estará de volta à sala de aula? Você, como mãe de autista, sente segurança nisso? A sociedade precisa reagir ! Reforço: isso não é o fim. É apenas o começo. Vamos seguir nessa luta até as últimas consequências."
Leia aqui a primeira reportagem sobre o caso.
*Patricia Alves é jornalista e repórter de TV