Mariana Kotscho
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Pai sem vergonha

Refletindo sobre a vergonha que alguns pais sentem em relação à adoção e como isso impacta a relação com seus filhos.

Antoune Nakkhle* Publicado em 10/08/2025, às 06h00

Adoção não é apenas uma escolha, mas uma forma de amor que merece ser celebrada - Arquivo: Antoune Nakkhle
Adoção não é apenas uma escolha, mas uma forma de amor que merece ser celebrada - Arquivo: Antoune Nakkhle

Sempre que o Dia dos Pais se aproxima, minha própria paternidade fica presente na minha mente. E a de meu pai, já falecido, também.

Eu pensei muito antes de adotar. Pensei profundamente se era isso mesmo o que eu queria. Afinal, eu estava decidindo se queria ou não ser pai e isso seria para sempre. Pai de uma criança que em nada se pareceria comigo ou com minha companheira. Não veríamos o fruto do nosso amor se desenvolver biologicamente nem dar continuidade ao nosso DNA, o que, na prática, significava ter um filho ou filha que não reproduzisse nossas aparências físicas.

— Você não vai se ver no seu filho pequeno, pensa nisso. Nem você nem sua mulher.

Essa criança não se parecerá com nenhum de vocês.

Ouvi isso diversas vezes.

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Como um dia me disse uma grande amiga que me ensinou muito: Examine seu coração. Examine sua consciência. Ninguém vai saber o que você está pensando. Não precisa ter vergonha.

Foi o que fiz. Não foicomoatravessar o túnel da Alice. Foi como se você pulasse numa piscina profunda (não tem problema, você sabe nadar)e espalhasse água para todos os lados. Só que neste caso só você se molha. Ninguém ao seu redor se importa, a água não os atinge, é indiferente, pois não é com eles. Decisão individual é a tal história, é só com você. É como se tudo o que eu dissesse ou pensasse só fosse útil para mim.

A paternidade que eu vivo é intensa aqui dentro. Amo minha cria mais do que tudo e ai de quem chegar perto e tratar mal. Além de pai, muitas vezes eu me comporto como amigo da minha filha quando ela pede alguma opinião ou vem trocar ideia sobre algum assunto da vida comigo. Um sentimento de igual para igual. Sem hierarquias. Às vezes, para dizer o que eu penso sobre o que ela está perguntando ou contando, eu dou como exemplo situações pelas quais passei – e que nem sempre tiveram finais felizes.

Dentro de mim, a adoção é realmente mais uma forma de ter filhos. Não carrego nenhum tipo de frustração por não ter tido uma filha biológica e também não arrasto comigo a tristeza de termos perdido involuntariamente nosso bebê quando engravidamos.

O que me chama muito a atenção é o fato de muitos pais que têm filhos por adoção omitirem isso das pessoas (não estou sugerindo que fiquem anunciando aos quatro cantos que seu filho veio por adoção, nada disso). Outros vão além: não tratam deste assunto nem dentro de casa. Aqui estou falando dos pais que contam para seus filhos que eles vieram por adoção. Não vou falar dos pais “espertalhões” que resolvem cometer o crime de fazer uma adoção à brasileira e não contar a seus filhos – até o dia em que eles descobrem. Aí é que são elas. A dor revestida de revolta deste filho perdura por muito tempo – às vezes por toda uma existência.

— Você é meu filho e ponto final. Independente de qualquer coisa. Ninguém precisa saber. Que diferença faz?

É, a macholência tem várias camadas... E tome mais esta.

Mas e para seu filho que veio por adoção? Será que ele não tem vontade de falar, refletir sobre isso com seus pais que o adotaram? Ele já falou com você sobre isso? Você já se colocou na posição de ouvinte do seu filho?Este é o caminho inicial para que uma adoção seja saudável e amorosa.

Sempre tive para mim (e não sei se estava certo ou apenas romanceando a adoção) que a melhor maneira de entender minha filha era me colocar no lugar de uma pessoa que tivesse sido adotada. Mesmo que estivesse errado nesta situação, pelo menos eu estava seguindo meu instinto.

Estou dizendo isso porque acredito que seja possível, a todo pai ou mãe, se colocar no lugar do seu filho e ouvir perguntas como: de onde eu vim? Qual a minha origem?

Então, reflita comigo: será que a melhor forma de acolher seu/sua filho (a) neste assunto (que só diz respeito a ele, fundamental lembrar) não é falar abertamente sobre sua adoção quantas vezes forem necessárias para ele (a)? Isso só acontece se você colocar o seu filho na frente de tudo. Isso significa valorizar e reconhecer a origem dele. Afinal, papai ou mamãe, você, no lugar dele, traria as mesmas indagações sobre sua origem, não é?

Se seu filho vindo por adoção não tivesse uma origem ele não seria seu filho nem teria chegado até você.

Pai é pai e pronto, independente de qualquer coisa

Sendo assim, chegamos à questão: Você tem vergonha de ter um filho adotado?

Sim, pois a única coisa que poderia justificar tantos pais e mães omitirem a adoção seria algum tipo de vergonha. Mas vergonha de quê? De não corresponder aos princípios sociedade? Vergonha de não ter tido um filho biológico? De se sentir menos pai ou menos mãe só por isso?

Você ter um filho vindo por adoção não define você assim como uma pessoa ter chegado a uma família por adoção não a define. Mas se me definisse sabe que eu até ficaria feliz?! Tenho orgulho ser pai da minha filha. Só não sei se eu teria o mesmo orgulho se minha filha fosse biológica. Nunca vou saber. Ainda bem.

*Antoune Nakkhle é jornalista, assessor de comunicação e imagem e pai da Gabriela, atualmente com 21 anos. Um pai branco de filha preta.

Se quiser falar com o autor: paibrancofilhapreta@gmail.com

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