Entenda a responsabilidade dos adultos em modelar comportamentos adequados para as crianças, de acordo com a idade e a maturidade
Larissa Fonseca* Publicado em 09/12/2025, às 09h00

Um incidente em uma festa escolar, onde um pai reagiu de forma agressiva a um comportamento infantil, ilustra o descompasso entre as expectativas dos adultos e a realidade do desenvolvimento infantil, levantando questões sobre a proteção das crianças contra reações desmedidas de adultos.
O comportamento infantil, como empurrões e provocações, é frequentemente mal interpretado por adultos que projetam expectativas de autocontrole e racionalidade que as crianças ainda não possuem, resultando em reações desproporcionais que reforçam a ideia de que conflitos devem ser resolvidos com força.
É fundamental que os adultos reflitam sobre seu próprio comportamento e se comprometam a modelar a maturidade que desejam ver nas crianças, promovendo um ambiente de aprendizado que respeite o tempo e as limitações da infância, ao invés de exigir comportamentos que ainda não são adequados para essa fase da vida.
Vivemos um paradoxo silencioso na educação. Ao mesmo tempo em que defendemos que “criança é criança”, seguimos exigindo delas comportamentos, reflexões e autocontrole que muitos adultos não conseguem demonstrar.
Nas escolas, isso aparece quase todos os dias. São nesses momentos que percebemos o tamanho do descompasso entre o que esperamos das crianças e o que nós, adultos, somos capazes de entregar.
Recentemente, em uma festa escolar, um menino de 4 anos cutucou o coleguinha ao lado, um comportamento típico da idade, impulsivo, desajeitado, completamente coerente com o estágio de desenvolvimento em que ele se encontra. Mas o que chocou não foi a cutucada infantil. Foi a reação de um pai que, tomado pela indignação, subiu ao palco e desferiu sobre uma criança de 4 anos broncas e força física, como se estivesse lidando com um adulto mal-intencionado.
Pais assim acreditam estar “protegendo” seus filhos, mas a pergunta que fica é: quem vai proteger as crianças dos adultos que perderam a medida?
Esse caso não é isolado. Em uma aula de educação física, duas crianças de 5 anos se provocaram e uma empurrou a outra. Foi certo? Não! Mas também não foi a expressão de uma violência adulta. Não foi um “homem batendo em uma mulher” na conotação moral adulta, mas sim, foi uma criança de 5 anos reagindo de maneira imatura porque é… uma criança de 5 anos. Mas a reação de alguns adultos é imediata. Tratam aquele empurrão infantil como se fosse uma agressão adulta, intencional, carregada de significado moral que simplesmente não existe nessa fase da vida.
Há um equívoco profundo quando projetamos nas crianças uma racionalidade e autocontrole que o cérebro delas não tem condições fisiológicas de oferecer. E é aqui que a reflexão se impõe. Se tantos adultos não conseguem controlar impulsos, administrar frustrações simples e lidar com conflitos com serenidade, como esperar isso de crianças de 2, 3, 4 ou 5 anos?
A verdade é que muitos adultos cobram das crianças aquilo que eles mesmos não desenvolveram plenamente.
Exigem diálogo, mas gritam. Pedem calma, mas agem com impulsividade. Pedem respeito, mas tratam outras crianças com hostilidade. Querem que os filhos resolvam conflitos com maturidade, mas entraram na escola para brigar com outras crianças.
É impossível ensinar aquilo que não se pratica!
E pior! Quando um adulto perde o controle diante de um comportamento infantil típico, reforça para a criança a ideia de que conflitos se resolvem com força, humilhação, intimidação. Reforça que sentimentos são perigosos, que erros são imperdoáveis, que quem erra merece punição e não acompanhamento. O resultado? Mais insegurança, mais medo, mais reações impulsivas, ou seja o contrário do que esses pais desejam.
Precisamos urgentemente tirar as crianças desse lugar injusto de mini-adultos. Uma criança de 4 anos que cutuca alguém não está sendo “mal-educada”, está sendo criança. Uma criança de 5 anos que empurra não está “reproduzindo violência de gênero”, está respondendo com imaturidade típica a uma provocação infantil. Cabe a nós, adultos, interpretar corretamente esses comportamentos para então ensinar, orientar, aplicar possíveis sanções educativas e formar.
A função do adulto não é reagir como uma criança reagiria. A função do adulto é modelar o comportamento que deseja ver nas crianças.
Por isso, antes de exigir autocontrole de uma criança, vale se perguntar: Eu domino o que estou cobrando dela? Eu consigo agir com calma quando estou frustrado(a)? Eu resolvo meus conflitos sem humilhar, sem gritar, sem partir para a força? Estou ajudando meu filho a amadurecer ou projetando sobre ele maturidades que eu mesmoainda não conquistei?
Educar é um processo profundamente humano e, por isso, cheio de imperfeições. Mas quando um adulto assume o papel de educador (seja pai, mãe, avô, professor ou responsável), assume também o compromisso de cuidar do próprio comportamento. Não para ser perfeito, mas para ser coerente.
Porque, no fim das contas, crianças aprendem muito menos com o que falamos e muito mais com o que fazemos. Se queremos crianças maduras no futuro, precisamos adultos maduros no presente.
E talvez essa seja a verdadeira urgência da educação hoje, não formar crianças que ajam como adultos, mas adultos que lembrem e respeitem o tempo da infância.
*Larissa Fonseca é Pedagoga e NeuroPedagoga graduada pela USP, Pós Graduada em Psicopedagogia, Psicomotricidade e Educação Infantil. Autora do livro Dúvidas de Mãe.
*Com edição de Marina Yazbek Dias Peres