Estudo premiado pelo Núcleo Ciência Pela Infância mostra importância de valorizar desde cedo o pertencimento a grupo étnico
Redação Publicado em 08/07/2023, às 10h00
O racismo e a discriminação racial têm impacto significativo na autoestima das crianças pretas: quase metade delas (46,3%) afirmam não gostar da cor da própria pele. Conversar sobre identidade racial, contudo, pode contribuir para reverter esse cenário, especialmente quando isso acontece desde os primeiros anos de vida e dentro de casa.
A informação é um dos achados do estudo “Mães que dialogam sobre racismo e valorização do grupo racial fortalecem a autoestima de crianças negras”, realizado porDalila Xavier, professora do Departamento de Psicologia da Universidade Federal de Sergipe. Realizada em Sergipe, a pesquisa foi reconhecida pelo Prêmio Ciência Pela Primeira Infância, do Núcleo Ciência pela Infância (NCPI).
O levantamento ouviu 120 crianças brancas, pardas e pretas, de 5 a 13 anos, além de suas respectivas mães, com o intuito de analisar como é construída a identidade étnico-racial dos pequenos e verificar se estratégias de socialização, como falar sobre a importância do respeito independentemente da cor de pele, produzem impacto na autoestima deles.
Em entrevistas, as crianças foram convidadas a indicar com qual cor de pele se identificam. Os resultados apontam que 75% das brancas se percebem como brancas e 87,8% das pretas se percebem como pretas, enquanto 69,2% das pardas se veem como pretas e 30,8% delas se classificam como brancas.
Foi levantada ainda a percepção delas quanto à própria cor da pele: mais de um terço das crianças pardas (38,5%) e quase metade das pretas (46,3%) afirmam gostar pouco ou nada de seus grupos de pertença. Por outro lado, quase a totalidade das brancas (82,5%) dizem gostar da sua cor.
“Os dados se relacionam às questões raciais presentes na sociedade. A criança preta, por conta de suas vivências e relações diante do racismo, tende a ter mais dificuldade em se aceitar, o que impacta diretamente sua autoestima e compromete o seu desenvolvimento”, comenta Dalila.
A exposição das crianças à discriminação racial pode causar nelas desgaste físico e mental, sentimento de inferioridade, baixo desempenho acadêmico e comportamentos antissociais, entre outros efeitos. Por sua vez, famílias que conversam sobre identidade racial, preconceito, respeito às diferenças e a importância do pertencimento étnico-racial contribuem para o aumento da autoestima na primeira infância.
Ainda de acordo com o estudo, a recorrência desse tipo de diálogo dentro de casa tem ligação com o grau de escolaridade das mães: 57,1% das que têm ensino superior conversam mais com os filhos sobre identidade étnico-racial, o dobro do índice alcançado pelas mães com ensino médio (28,6%) e quatro vezes mais que mães não escolarizadas ou com ensino fundamental (14,3%).
“A criança adquire sua identidade ainda na infância em meio ao processo de socialização. Nesse sentido, o diálogo realizado por pais e educadores auxilia as crianças a valorizarem o próprio grupo étnico-racial, contribuindo para seu desenvolvimento pleno. Quanto mais as mães dessas crianças falam sobre a história, raça e cultura do grupo, mais elas gostam de ser pretas”, explica a pesquisadora.
O prêmio é uma iniciativa do Núcleo Ciência Pela Infância para alavancar a disseminação de conhecimento científico relevante e apoiar a formulação ou qualificação de políticas públicas, programas ou serviços voltados a crianças de 0 a 6 anos e suas famílias. As pesquisas premiadas abordam temáticas relacionadas a infâncias plurais do Brasil; desigualdades e primeira infância; e avaliação de políticas públicas em primeira infância.
A pesquisa completa pode ser encontrada aqui.
Criado em 2011, o NCPI é uma coalizão que tem por objetivo produzir e disseminar conhecimento científico sobre o desenvolvimento da Primeira Infância para promover e qualificar programas e políticas públicas para crianças brasileiras em situação de vulnerabilidade social. O NCPI é composto, atualmente, por sete organizações: Center on the Developing Child da Universidade de Harvard, David Rockefeller Center for Latin American Studies, Faculdade de Medicina da USP, Fundação Bernard van Leer, Fundação Maria Cecilia Souto Vidigal, Insper e Porticus América Latina.