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Letramento racial: ações necessárias para construir uma escola antirracista

Parceria entre famílias e escola, conheça iniciativas que promovem o letramento racial para estudantes

Redação Publicado em 20/11/2022, às 06h00

A educação antirracista precisa estar presente em todos os âmbitos do aprendizado das crianças
A educação antirracista precisa estar presente em todos os âmbitos do aprendizado das crianças

O combate ao racismo no Brasil tem evoluído ao longo dos anos, graças à criação de leis e políticas públicas que garantem igualdade de direitos para todas as etnias. Mas, embora a maior parte da população seja negra (54%), ainda há um evidente racismo estrutural no país, decorrente de um processo histórico que modelou a sociedade brasileira.Dados estatísticos revelam que o racismo está presente nas relações sociais, políticas, econômicas, culturais e também interpessoais. 

Raramente negros ocupam um lugar de destaque em empresas, o índice de desempregados negros é superior aos brancos, recebem salário inferior ao dos brancos, apresentam nivel de escolaridade menor e têm expectativa de vida mais baixa em virtude da pobreza que proporciona uma saúde mais precária. Outro dado que denuncia o racismo é que a cada 23 minutos um jovem negro é assassinado no país.

Diversas iniciativas têm contribuído com um processo de conscientização de como o racismo está inserido na cultura brasileira. Uma delas é a implementação de uma educação antirracista nas escolas para promover o debate e o conhecimento desde a primeira infância. É um movimento que começou há um considerável tempo por meio de medidas como a Lei 10.639/03, que tornou obrigatório o ensino da história e da cultura africana e afro-brasileira nas escolas, mas dezessete anos depois ainda enfrenta dificuldades para ser colocada em prática.

Para implementar uma educação antirracista eficiente é necessário mais do que apenas o cumprimento de leis. A Escola Lumiar, por exemplo, tem uma comissão chamada “Construindo uma escola antirracista”, composta por 41 membros, tanto por colaboradores como familiares de alunos. Criada em 2021, essa comissão realiza encontros periódicos com o propósito de fomentar ações capazes de fortalecer três pilares que possuem potencial para construir uma escola antirracista: a representatividade, o acolhimento e o letramento racial.

A representatividade e o acolhimento das diferenças

Para compor uma comunidade escolar étnico-racial e socialmente diversa, a Lumiar oferece bolsas de estudos que possibilitam o ingresso de crianças e jovens preferencialmente negros, afrodescendentes e indígenas, em condições sociais que não geram acesso a uma educação significativa e transformadora. E, essa representatividade, também é buscada na equipe de profissionais que trabalha na escola.

“Já faz alguns anos que fazemos uma busca ativa de educadores e gestores negros, pois entendemos que a representatividade precisa estar presente em toda a estrutura da escola. Avançamos principalmente na contratação de mestres - especialistas das mais variadas áreas que realizam projetos com nossos estudantes - o que já é uma vitória. Porém, a desigualdade social impede que muitos negros tenham acesso a cursos de inglês, o que faz com que tenhamos dificuldade de encontrar pedagogos negros fluentes no idioma para serem tutores em nossas escolas bilíngues. Uma das estratégias que adotamos foi apostar na formação de nossos próprios colaboradores. Contratamos pessoas negras para funções em que a fluência em inglês não é essencial, como estagiários ou assistentes volantes, e os incentivamos para que desenvolvam esse conhecimento, assim a médio prazo, essas pessoas terão a oportunidade de ser promovidas e teremos uma equipe mais diversa, considerando também a variedade de funções que executam. Já estamos começando a colher os frutos dessa iniciativa”, relata Graziela Miê Peres Lopes, Diretora Geral das Escolas Lumiar.

Metodologia a favor do letramento racial

Além disso, a metodologia Lumiar prioriza a autonomia e a individualidade de cada estudante. Os alunos entendem que cada pessoa tem talentos e dificuldades diferentes e, com isso, cria-se um campo de convívio propício ao acolhimento da diversidade e à valorização da pluralidade. Entre as atividades pedagógicas, trimestralmente cada turma de estudantes desenvolve projetos sobre assuntos de interesse dos grupos. São iniciativas transdisciplinares que contam com a participação de especialistas convidados. “Os projetos são uma excelente oportunidade para promover a representatividade, pois podemos flexibilizar a questão do inglês. Recentemente tivemos inclusive duas indígenas atuando como educadoras na unidade Pinheiros, em São Paulo”, comenta Graziela.

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Um exemplo do conjunto de práticas de educação antirracista da Lumiar é o caso de Jeniffer Ronei. “Sou negra, pobre e minhas filhas sempre estudaram em escolas públicas. Quando soube do processo de bolsas de estudos da Lumiar, logo as inscrevi no processo seletivo. Entre a data em que foram aprovadas e a matrícula se passaram quatro meses. Eu tinha receio de que sofressem bullying ou preconceito por serem negras e bolsistas. Mas aconteceu exatamente o contrário. A Nicole, que tem 11 anos, circula na Lumiar de cabeça erguida, contribui com a sua leitura de mundo nos projetos trimestrais e ainda ensina aos colegas que o preconceito muitas vezes está em frases e situações corriqueiras”, comenta Jennifer que participa da comissão antirracista, tanto como mãe de alunas quanto como funcionária da escola. Por ser estudante de pedagogia, foi contratada como assistente no início de 2022.

Desse modo, uma escola pode trabalhar o letramento racial em diferentes aspectos. Além de ensinar sobre como as relações inter-raciais modelaram o país e incentivar a percepção do que é equidade, é necessário desconstruir as formas de pensar e agir que foram consolidadas na sociedade. “Toda criança passa por um processo de alfabetização e de letramento para saber fazer o uso das palavras. Com o racismo, acontece a mesma coisa. Acaba sendo reforçado por meio de leituras de ambiente e ações aprendidas ao longo da vida. Quando uma pessoa se desenvolve em um espaço em que há oportunidade para todos, passa a ter referências para reproduzir isso em suas atitudes e cobrar esse posicionamento da sociedade”, aponta Graziela.