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Escolas que cuidam ensinam mais: a força das relações interpessoais no ensino

Empatia, escuta ativa e cooperação são ferramentas pedagógicas que fortalecem as relações interpessoais e impactam o clima escolar

Redação Publicado em 16/08/2025, às 06h00

Empatia e cooperação são fundamentais para o aprendizado e desenvolvimento emocional dos alunos - Canva
Empatia e cooperação são fundamentais para o aprendizado e desenvolvimento emocional dos alunos - Canva

As habilidades sociais vêm ganhando espaço no debate educacional por seu impacto direto no processo de ensino-aprendizagem. Empatia, escuta ativa, cooperação e resolução de conflitos deixaram de ser apenas atributos desejáveis e passaram a ser vistas como essenciais para o desenvolvimento cognitivo e emocional dos estudantes. Segundo a psicóloga e pesquisadora Zilda Del Prette, especialista no tema, “ensinar com habilidades sociais é também promover a aprendizagem escolar”.

Em sala de aula, essas competências moldam o ambiente de convivência, fortalecem vínculos e facilitam o engajamento dos alunos com o conhecimento. “Ambientes com mais habilidades sociais apresentam menos conflitos, mais participação e mais paz”, afirma Del Prette. Ela destaca que a construção de uma cultura escolar positiva depende diretamente da qualidade das relações entre alunos, professores e toda a equipe pedagógica.

Clima escolar e aprendizagem: uma relação direta

Estudos demonstram que vínculos afetivos saudáveis favorecem o desempenho cognitivo dos alunos. “Quando o estudante sente que pode errar, perguntar e pedir ajuda sem medo, ele aprende mais e melhor”, explica a especialista. A Base Nacional Comum Curricular (BNCC), inclusive, reforça a importância do desenvolvimento de competências socioemocionais, como comunicação, empatia, cooperação e autonomia.

Mas a ausência dessas habilidades pode gerar efeitos contrários. Quando alunos não sabem se expressar, pedir ajuda ou lidar com frustrações, surgem comportamentos como isolamento, desmotivação e indisciplina. “Esses desafios impactam diretamente o clima da sala: a disciplina piora, o engajamento cai e o prazer de aprender desaparece”, alerta Del Prette.

Do lado dos professores, a falta de empatia e escuta ativa pode comprometer o vínculo com os estudantes e gerar respostas mais punitivas do que educativas. “Sem a prática de habilidades sociais, não há ambiente propício para aprender — nem para ensinar”, reforça.

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Formação docente é a chave

Apesar dos avanços nas diretrizes curriculares, como a própria BNCC, ainda há um descompasso entre o que se espera dos professores e o que é oferecido em termos de formação. Muitas capacitações sobre competências socioemocionais são pontuais e têm pouco impacto no dia a dia escolar. “O que faz a diferença é uma formação contínua, com fundamentação teórica, aplicação prática e espaço para reflexão”, defende Zilda Del Prette.

No Instituto Del Prette, onde a especialista atua, os cursos começam pelo desenvolvimento pessoal dos educadores, para depois trabalhar as habilidades sociais educativas — aquelas que permitem criar vínculos, promover a cooperação e lidar com desafios cotidianos. “Afinal, ninguém ensina o que não pratica”, pontua.

Essa preparação reflete diretamente no clima da sala de aula. Professores com maior autoconhecimento e regulação emocional inspiram confiança, fortalecem sua autoridade de forma legítima e modelam comportamentos sociais positivos. “Eles não apenas sobrevivem à rotina escolar — eles inspiram e transformam”,

Relações que educam

Na prática, escolas que investem em relações interpessoais saudáveis colhem frutos concretos. Há redução de casos de bullying, aumento do engajamento e melhorias nos indicadores de desempenho escolar. Estratégias como mediação de pares, rodas de conversa, práticas restaurativas e combinados de convivência têm se mostrado eficazes para promover empatia e respeito entre os alunos.

Além disso, programas estruturados de educação socioemocional, como o KiVa (desenvolvido na Finlândia), mostram resultados consistentes. “Essas ações só funcionam bem quando os educadores estão preparados para aplicá-las. Por isso, defendemos uma formação específica e baseada em evidências”, afirma Zilda Del Prette.

Ela ressalta que os efeitos positivos dessas ações não se limitam ao período escolar. “Crianças e adolescentes que convivem com respeito e afeto na escola tendem a se tornar adultos mais cooperativos, resilientes e saudáveis”, afirma. Os benefícios se estendem também aos professores, com mais bem-estar emocional, menor risco de esgotamento e maior satisfação

Educação como transformação

A experiência mostra que mudanças reais nas escolas começam pelas relações humanas. Quando os professores se sentem cuidados, fortalecidos e preparados, podem construir vínculos significativos com seus alunos — e, com isso, transformar toda a experiência escolar. “A escola pode ser um lugar de trauma ou de transformação — e as relações interpessoais são a chave dessa escolha”, conclui Del Prette.

Neste cenário, desenvolver habilidades sociais não é um extra: é uma urgência. Educar para a convivência é prevenir o sofrimento, fortalecer os laços e abrir caminhos para o aprendizado. Afinal, antes de ensinar, é preciso se conectar.

Quem é Zilda Del Prette

Doutora, mestre e pós-doutora em Psicologia, foi pesquisadora do CNPq e cofundadora do Grupo de Trabalho em Habilidades Sociais da ANPEPP, onde atuou por duas décadas.

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