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Eleições municipais para a cidade de São Paulo e a proteção ao pacto civilizatório

Condutas nos debates eleitorais em São Paulo comprometem o pacto civilizatório

Adriana Cecilio* Publicado em 25/09/2024, às 08h00

Primeiro turno das eleições em São Paulo acontece em 6 de outubro - Wikimedia Commons
Primeiro turno das eleições em São Paulo acontece em 6 de outubro - Wikimedia Commons

De forma bastante simplificada, o Estado é uma grande brincadeira de faz de conta. Considerando que, se cada indivíduo pudesse escolher quais regras cumprir, cada um iria escolher fazer apenas o que seria proveitoso para si, e tal situação acabaria por gerar “uma constante guerra de todos contra todos”, como explicou Thomas Hobbes.

Para solucionar esse problema, alguns pensadores, chamados de “contratualistas”, desenvolveram a ideia de “contrato social”, um acordo tácito por intermédio do qual os membros da sociedade renunciam a um pouco de seu poder de escolha e o direito ao uso da força para solucionar problemas em favor de um “ser fictício”, o Estado, que exerce o Poder através de uma estrutura burocrática, com a finalidade de tomar decisões visando o bem comum.  

Essa “brincadeira” funciona com base em regras, as leis. Todas as pessoas se comprometem a respeitar normas jurídicas. O Direito tem como finalidade regular as condutas e, com isso, produzir paz social. Quem violar as leis deve ser punido por isso. Vale lembrar que a sociedade não é regulada exclusivamente por leis, também é guiada por costumes, valores comuns, princípios morais e éticos que norteiam o agir dos indivíduos em comunidade.

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Quando uma pessoa intencionalmente viola as regras sociais, está pensando somente em seu proveito individual. As leis visam coibir condutas egoístas que desprezam a preocupação com a coletividade. Em especial, a Constituição Federal traz objetivos valiosos e altivos à nação brasileira. A simples leitura respeitosa e atenta do texto já serve, por si só, para constranger quem visa fomentar retrocessos, uma vez que, como dito em parte do preâmbulo, sonhamos construir “uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social”.

As informações trazidas até aqui podem parecer pura teoria, mas é um fato notório que o Estado funciona e que isso é bom para todos nós. Com todos os desafios, dificuldades e defeitos, mesmo com as tantas ameaças constantes, seguimos rumo à evolução e amadurecimento das relações sociais graças à observância da lei, que em regra é sim respeitada pela maioria da população.

É certo que os últimos anos têm sido especialmente desafiadores e a sensação é a de estarmos retroagindo à Idade Média em dados momentos. A confusão entre Estado e Igreja é, sem dúvida, muito preocupante. Bem como a profusão de discursos proferidos por líderes reacionários que se prestam a atacar grupos vulnerabilizados, mulheres, pretos, nossos povos originários, pessoas com sexualidades e identidades de gênero diversas, pessoas com deficiência e outros; fatores que por certo têm sido um entrave ao avanço civilizatório da sociedade brasileira.

Mas ao que o povo da cidade de São Paulo vem assistindo nos debates eleitorais é diferente. Consegue ser ainda pior. (E pensávamos que isso não seria possível!) As condutas vão além do mero objetivo de reforçar preconceitos. O que vemos são ações que comprometem a saúde do tecido social. A intenção claramente é escandalizar através do absoluto desrespeito a tudo e a todos, às pessoas, ao Direito, à ética, à moral, aos costumes, ou seja, às mais elementares regras civilizatórias.

Uma pessoa que viola a lei atingindo o patrimônio, a liberdade, a honra ou a vida de terceiros é alcançada pelo sistema de Justiça, pois existem tipos penais que classificam tais condutas. Mas e quem, com suas atitudes, acaba por atentar diretamente contra o pacto social? Quem simplesmente age como bem entende, atacando, agredindo, injuriando, caluniando, difamando pessoas. Quem se porta como se pudesse fazer qualquer coisa por mais descabida que seja, sem qualquer vergonha ou pudor. Quem instiga violências de todos os tipos e por intermédio de todas as formas de abusos possíveis, deliberadamente, demonstrando orgulho em ostentar tal comportamento.

Esse indivíduo está se excluindo do precioso acordo comunitário que nos alça à condição de seres civilizados. Trata-se de uma declaração ostensiva de que só há uma preocupação: atender exclusivamente aos seus interesses. Custe o que custar. Vale envergonhar e expor o povo paulistano ao ridículo nacionalmente. Cabe se valer de um comportamento hostil e inadequado, sobremaneira, para alguém que almeja um cargo público tão importante. Quem pode se sentir representado por um indivíduo que afronta as mais basilares regras de conduta social?

Voltando ao início, o Estado é uma brincadeira de faz de conta. As regras precisam ser seguidas para que a brincadeira funcione. Fora disso é a barbárie. É a cadeirada, é o soco.

Como agir e reagir a isso? A história conta que personagens que se portam de forma egoica, desprezando a necessidade de respeitar os demais membros da sociedade, irrompem de tempos em tempos, mas invariavelmente são derrotados. É a vez do povo da cidade de São Paulo demonstrar apreço à civilidade e defenestrar do cenário político quem atenta contra ela pelo bem e para o bem de todos nós.

adriana cecilio
Adriana Cecilio

*Adriana Cecilio é professora de Direito Constitucional, advogada, especialista e Mestra em Direito Constitucional e Diretora Nacional da Coalizão Nacional de Mulheres.