Apesar de menos homicídios e roubos no Brasil, feminicídios e estupros aumentam. Para mudar esta realidade de crimes, é necessário eliminar perversidade
Gui Torres* Publicado em 18/06/2025, às 10h27
Enquanto, de um lado, o Brasil registra quedas significativas nos homicídios dolosos (-6,33%), latrocínios (-1,65%), mortes por ação policial (-4%) e em crimes patrimoniais como roubos a instituições financeiras (-22,56%), de carga (-13,6%), de veículos (-6,1%) e furtos de veículos (-2,64%), de outro, um dado do Mapa da Segurança Pública 2025 acende um alerta vermelho: os feminicídios aumentaram 1,6%, e os estupros cresceram 8,2%.
Essa contradição evidencia o que milhões de brasileiras sentem todos os dias: a violência de gênero cresce ao invés de acompanhar a melhora dos demais indicadores. Estupradores, agressores e feminicidas continuam agindo, muitas vezes impunes, mesmo enquanto o país avança no combate a outros crimes.
Dados de outras pesquisas, todas do primeiro semestre de 2025, reforçam o cenário inquietante. A 5ª edição da pesquisa Visível e Invisível, do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, aponta que 37,5% das respondentes relataram ter sofrido algum tipo de violência nos últimos 12 meses — a maior prevalência registrada na série histórica, equivalendo a 21,4 milhões de vítimas em todo o país. Uma em cada 10 (10,7%) afirmou ter sido abusada sexualmente ou forçada a manter relações contra a vontade, resultando na estimativa assustadora de 5,3 milhões de brasileiras vítimas desse tipo de crime no último ano.
O assédio sexual também atinge níveis epidêmicos. Segundo a pesquisa Mulheres 2025, realizada pelo Instituto Cidades Sustentáveis e o Ipec, 75% das mulheres nas 10 maiores capitais já foram assediadas. Em Porto Alegre, esse índice chega a 79%; no Rio de Janeiro e Recife, a 77%. Os espaços públicos lideram os registros, seguidos por transportes, ambientes de trabalho, bares e casas noturnas.
Essas variadas formas de violência não apenas destroem vidas e dignidades — também cobram um preço alto do país. Um estudo da Fiemg estima que a violência contra a mulher gera um prejuízo de R$ 214 bilhões ao PIB em 10 anos, com a perda de quase 2 milhões de empregos, R$ 91 bilhões em salários e R$ 16,4 bilhões em tributos. E há os custos invisíveis: absenteísmo, queda de produtividade, rotatividade, impactos nas cadeias de cuidado e gastos com saúde.
Quando tratamos deste tema, outro ponto causa grande inquietação. Apesar da crescente conscientização social e dos avanços institucionais, a maioria das ações públicas e privadas contra a violência ainda é reativa. Ou seja, espera-se que o dano ocorra e seja denunciado, para então se oferecer algum apoio às vítimas.
São exemplos positivos desta abordagem os programas públicos federais como a Casa da Mulher Brasileira, a Central de Atendimento Ligue 180, as patrulhas Maria da Penha e os centros de acolhimento psicológico, assim como a Lei nº 14.457/22, que tornou obrigatória a criação de canais de denúncia para empresas com CIPA (Comissão Interna de Prevenção de Acidentes e de Assédio). No entanto, ainda operamos majoritariamente em um modelo que intervém tarde demais, quando a mulher já foi violentada, já sofreu e já teve sua dignidade ferida.
Nestas condições, revela-se uma lógica perversa: menos de 10% dos casos de assédio são denunciados. Apenas 30% das vítimas de feminicídio registraram agressões prévias. E só 5% das denúncias chegam a gerar condenação judicial. O resultado? Violências que se repetem diariamente, vidas arrasadas em escala industrial, e um mar de casos que permanecem invisíveis - alimentando um ciclo cruel de injustiça e impunidade que parece não ter saída.
É justamente esse paradigma que o projeto BYST.END busca romper. Em vez de reagir à violência depois de ocorrida, a proposta é prevenir, atuando de forma ativa e com recursos tecnológicos e educação permanente para evitar que os casos aconteçam e causem destruição. A plataforma combina cinco eixos:
O propósito é criar um escudo de proteção contínuo, presente nos lares, ruas, transportes, empresas e escolas. Inibir por meio da educação e proteção com uso de tecnologias avançadas, antes da agressão. Prevenir é mais eficaz, mais humano e menos custoso do que reagir. Reduz o sofrimento, os processos judiciais, os gastos com saúde e as perdas econômicas. Salva vidas, melhora o ambiente de trabalho, fortalece a reputação institucional e transforma o convívio social.
Felizmente, estamos vivendo uma transição geracional importante. Uma nova geração menos tolerante ao machismo e ao racismo estruturais tem exigido mudanças por parte do poder governamental, das instituições públicas e privadas e da sociedade civil.
Os recentes ataques sofridos por autoridades como a ministra Marina Silva por colegas no Senado, e as ameaças de estupro contra 25 deputadas estaduais em São Paulo mostram que nem o topo do poder é seguro para mulheres. Mas esses episódios também oferecem uma oportunidade: a de transformar constrangimento público em ação concreta. Afinal, se queremos um país justo e seguro, não podemos aceitar que o socorro chegue só depois do acontecido. A hora de agir é antes! E o momento é agora!
*Gui Torres É Co-fundador do projeto BYST.END e integrante do Movimento Por Elas