Ex-jogador Daniel Alves foi condenado por estupro, pela justiça de Barcelona (Espanha), a 4 anos e 6 meses de prisão
Anelise Borguezi* Publicado em 29/02/2024, às 06h00
Após a condenação do ex-jogador Daniel Alves, a quatro anos e meio de prisão, por agressão sexual em Barcelona, com pena reduzida mediante o pagamento de uma indenização voluntária, cujo montante resultou de uma doação da família de outro famoso jogador para ajudar o lateral, muitos questionamentos despontam quando o assunto envolve crimes sexuais com violência de gênero.
Tal condenação é importante e pode abrir o debate para alguns pontos. Seria um marco no julgamento de crimes sexuais, que envolvem violência de gênero? A partir desse caso podemos esperar mudanças no sistema de justiça brasileiro? Ainda que o caso tenha sido uma condenação histórica, estamos mesmo falando de uma condenação efetiva?
A verdade é que no mundo inteiro mulheres são incentivadas a denunciarem casos de abuso/assédio, mas isso não significa dizer que estejamos preparados para acolher tais vítimas, nem que as penas destinadas aos agressores sejam justas. Vejamos.
O julgamento em questão pode ser considerado um marco em relação aos processos de crimes sexuais e violência de gênero por dois motivos principais: no primeiro deles o condenado é uma pessoa de prestígio internacional e com alto poder aquisitivo e, diferentemente de muitos casos que envolvam pessoas (em especial homens) de prestígio na sociedade, tal posição não acarretou no arquivamento da denúncia, nem na descredibilização da vítima por parte das instituições.
Outro motivo relevante foi a agilidade em que o caso foi processado: desde a primeira denúncia da vítima ao segurança da casa noturna, onde ocorreu o crime, até a prisão preventiva do condenado passaram menos de trinta dias, o que foi determinante para que o ex-jogador não tentasse fugir e, assim, se esquivar do julgamento na Espanha.
O fato da cidade de Barcelona adotar um protocolo de conduta para casos de importunação sexual e estupro em estabelecimentos como bares e casas noturnas foi considerado fundamental para que a vítima fosse devidamente acolhida, denunciasse o crime e pudesse fazer o corpo de delito na maior brevidade possível, comprovando a ocorrência do crime de estupro e lesão corporal.
Com este exemplo, diversos estados brasileiros se mobilizaram e criaram legislações adotando também um protocolo semelhante e, mais recentemente, o governo brasileiro promulgou a Lei 14.786/2023, que instituiu o “Protocolo Não é Não”, com o objetivo de prevenir e combater o constrangimento e a violência contra a mulher em casas noturnas, boates e espetáculos musicais realizados em locais fechados e em shows, com venda de bebida alcoólica.
Por mais que o julgamento e, principalmente, a condenação tenham sido um marco histórico, é difícil falar em condenação efetiva ou justa quando a dignidade sexual, o corpo de uma mulher foi violado, o que provavelmente vai deixar marcas e traumas por toda a vida da vítima. E, ainda, com uma pena principal a condenação de 4 anos e 6 meses de prisão para o agressor.
A efetividade de um julgamento notório como este está na resposta que as instituições e a sociedade darão sobre o caso. Mais do que punir proporcionalmente agressores sexuais, é fundamental que esses crimes sequer cheguem a ocorrer.
Repetimos que as mulheres vítimas de violência de gênero são constantemente incentivadas a denunciar e é muito importante que o façam para que esses casos sejam devidamente quantificados, processados e julgados.
Contudo, existem consequências após a denúncia: essas mulheres são obrigadas a reviver o crime diversas vezes, porque têm que narrá-lo às autoridades competentes, que, muitas vezes, duvidam de suas condutas questionando sobre o tipo de roupa usada e outras questões que possam fragilizar a denúncia, bem como, ainda podem ser processadas pelos próprios agressores sob alegação de denunciação caluniosa.
Dessa forma, além de incentivar as vítimas a denunciar, é imprescindível que os órgãos responsáveis pelo recebimento da denúncia estejam equipados e treinados para acolher a vítima de modo a evitar a revitimização, que as autoridades responsáveis pelo processamento se atenham apenas às provas e fatos realmente relevantes para elucidação dos fatos e que a vítima seja protegida de retaliações judiciais por conta da denúncia.
O fato é que o processo pós-denúncia costuma ser muito difícil e tortuoso para a maioria das vítimas de violência sexual. Isto porque é um processo solitário no qual a vítima é obrigada a lidar com o medo e ameaças de retaliação, com o estigma social que constantemente as culpa, com processos judiciais longos e retraumatizantes, bem como com a falta de recursos, pois tudo o que envolve um processo judicial é bastante custoso e, além disso, nem todas as mulheres têm os recursos necessários para ter acompanhamento psicológico durante o processo.
*Anelise Borguezi, Pós Graduada em Direito pela Universidade de São Paulo e sócia do Borguezi e Vendramini, Advocacia para Mulheres e Minorias