A naturalização da exposição digital de menores gera preocupações sobre privacidade e segurança em um mundo conectado. Quais os limites?
Aline Barros* Publicado em 25/08/2025, às 06h00
O recente episódio envolvendo a denúncia feita pelo influenciador Felca reacendeu uma discussão urgente: até que ponto a exposição de crianças e adolescentes na internet pode ser considerada legítima, sem ferir direitos fundamentais de privacidade, segurança e desenvolvimento saudável?
Gera uma preocupação a naturalização da exposição de menores em ambientes digitais. Fotos e vídeos que parecem inocentes — como em festas de aniversário, de uniforme escolar ou em momentos íntimos da vida familiar — podem se transformar em material de risco quando disponibilizados em redes sociais, especialmente diante do alcance imprevisível da internet.
O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), em sintonia com a Constituição Federal (art. 227), estabelece que é dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à dignidade, à liberdade, ao respeito e à convivência familiar e comunitária.
O art. 17 do ECA é claro: o direito ao respeito abrange a inviolabilidade da imagem, da identidade e da vida privada do menor. O art. 18 complementa que todos têm o dever de protegê-los de qualquer forma de constrangimento ou exposição vexatória.
Isso significa que os próprios pais, ao exporem seus filhos na internet sem reflexão, podem inadvertidamente violar a proteção integral garantida pela legislação.
Com a entrada em vigor da Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD), a discussão ganhou contornos ainda mais relevantes. O art. 14 determina que o tratamento de dados de crianças deve atender sempre ao melhor interesse do menor. Vale destacar que a imagem é considerada dado pessoal, mesmo quando não acompanhada de nome ou outras informações. Quando a divulgação ocorre em contextos profissionais ou com finalidade econômica, cada postagem configura ato de tratamento de dados que deve observar integralmente os parâmetros da LGPD. Ainda que a lei não se aplique de forma direta ao uso estritamente pessoal e não lucrativo, isso não afasta a responsabilidade dos pais e responsáveis à luz do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), que garante proteção integral à imagem, dignidade e privacidade dos menores. Ou seja, mesmo em ambientes privados ou familiares, a cautela é indispensável para evitar violações de direitos fundamentais.
Ainda que pais e responsáveis publiquem imagens movidos pela boa-fé, a exposição digital de crianças e adolescentes abre margem para riscos sérios e irreversíveis. Entre eles, podemos destacar:
O que parece inofensivo dentro de casa — uma foto engraçada, uma lembrança de infância ou um momento cotidiano — pode se tornar material altamente explorável por pessoas mal-intencionadas. O risco não está apenas no presente, mas também no efeito cumulativo que essa exposição pode gerar ao longo do desenvolvimento da criança.
O dever de proteção é compartilhado. Pais e responsáveis exercem o poder familiar, mas a sociedade e o Estado também devem atuar para reduzir a vulnerabilidade digital de crianças e adolescentes.
Do ponto de vista prático, é necessário que os responsáveis sempre reflitam antes de publicar:
Essas perguntas simples podem evitar danos irreversíveis.
A era digital ampliou conexões e abriu espaço para novas formas de interação, mas também trouxe riscos que não podem ser ignorados. No caso de crianças e adolescentes, a exposição na internet exige atenção redobrada: cada foto ou vídeo compartilhado representa juridicamente um dado pessoal, cuja circulação descontrolada pode resultar em usos indevidos e até criminosos quando chega às mãos de pessoas mal intencionadas.
“Mais do que cumprir uma obrigação legal, proteger a imagem e os dados dos menores é um compromisso ético e social. Pais, responsáveis, influenciadores e instituições devem compreender que, acima de curtidas ou engajamento, está o dever de garantir às crianças e adolescentes o direito de crescer em segurança, com sua dignidade e privacidade preservadas," finaliza Aline.
*Aline Barros é advogada, especialista em Direito Digital e Proteção de Dados
*Com edição de Marina Yazbek Dias Peres