Após Uruguai aprovar lei, eutanásia volta ao centro das discussões e reacende debate que envolve medicina, filosofia e direito
Redação Publicado em 24/11/2025, às 06h00

O Uruguai se tornou o primeiro país da América Latina a aprovar a eutanásia por meio do Parlamento, gerando um intenso debate sobre temas como morte assistida e autonomia do paciente em um contexto de avanços tecnológicos na medicina.
A expectativa de vida no Brasil está aumentando, com projeções indicando que 37,8% da população terá mais de 60 anos até 2050, o que torna urgente a discussão sobre dignidade no fim da vida e os limites do tratamento médico.
A Academia Paulista de Letras promoveu um evento para debater a eutanásia e cuidados paliativos, destacando a importância de uma conversa aberta e ética sobre o tema, que deve incluir diversas perspectivas e respeitar o direito individual de escolha.
O tema da eutanásia voltou ao centro do debate público após decisões legislativas recentes no Uruguai: em outubro deste ano, o país aprovou uma nova lei que autoriza o procedimento em casos extremos, tornando-se o primeiro da América Latina a adotar a medida por meio do Parlamento.
Temas como morte assistida, cuidados paliativos e autonomia do paciente continuam sendo fortes tabus e alvos de discussões complexas. Ainda que os avanços tecnológicos e científicos tragam benefícios inegáveis para pacientes em estado grave, como melhores medicamentos, métodos de suporte e recursos de prolongamento da vida, o dilema surge quando esses meios passam a ser aplicados em casos sem possibilidade real de recuperação.
Países como a Suíça e o Canadá também já permitem a escolha pela morte assistida, ainda que sob condições específicas e estrito acompanhamento médico. Em território nacional, embora existam regulamentações de desligamento de tratamentos e ortotanásia, o procedimento de eutanásia é tipificado como homicídio doloso.
Ainda que, no passado, tenham existido projetos de lei que abordaram o tema no Brasil, atualmente ele não está em pauta no Congresso Nacional. Essa ausência de discussões legislativas revela a urgência de ampliar o debate entre diferentes setores da sociedade, especialmente no campo acadêmico, médico e filosófico.
Por isso, listamos aqui três motivos para se discutir os dilemas éticos sobre o fim da vida — e por que essa conversa precisa sair do campo do silêncio e alcançar o debate público.
Com a melhoria da qualidade de vida e avanços científicos, acompanhamos o aumento da expectativa de vida da população brasileira — segundo projeções do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), estima-se que 37,8% tenha mais de 60 anos até 2050. Com isso, cresce a necessidade de se debater sobre o envelhecimento, repensando não só as políticas públicas e representatividade dos idosos, mas também os modelos de cuidado e tratamentos oferecidos.
Falar sobre morte assistida e cuidados paliativos é, antes de tudo, falar sobre dignidade. Em muitos casos, o avanço tecnológico permite prolongar a vida, mas nem sempre garante qualidade ou conforto ao paciente. Discutir o limite entre o tratamento e o sofrimento é reconhecer que viver com dignidade inclui o direito de escolher como e até quando viver.
A ciência avança mais rápido do que a reflexão ética. A capacidade de manter um corpo vivo por tempo indeterminado traz à tona uma questão incômoda: até que ponto prolongar a vida é um ato de cuidado, e não de obstinação terapêutica? A medicina moderna precisa dialogar com a filosofia e o direito para estabelecer parâmetros mais humanos e responsáveis.
A discussão sobre o fim da vida não é apenas médica ou jurídica — é, sobretudo, uma questão de liberdade. Em sociedades que valorizam a autonomia, cresce a compreensão de que cada pessoa tem o direito de decidir sobre o próprio destino, inclusive sobre o encerramento de sua trajetória, de acordo com suas convicções, valores e limites.
A morte ainda é tratada como algo distante, quase proibido. Evitar o assunto não o torna menos real, apenas adia uma conversa necessária. Discutir o fim da vida de forma aberta, ética e racional permite encarar o tema com menos medo e mais empatia, reconhecendo-o como parte natural da existência.
Debater o fim da vida exige escuta e diversidade de perspectivas. Médicos, juristas, filósofos e cidadãos comuns têm papéis complementares nessa conversa, que deve unir ciência, sensibilidade e respeito. Assim, é possível construir uma visão coletiva que contemple o avanço tecnológico, a ética e o direito à escolha.
Por isso a Academia Paulista de Letras promoveu, no dia 18 de novembro, um evento gratuito sobre com um dia inteiro de debates sobre temas como morte assistida, suicídio, cuidados paliativos e autonomia do paciente. Entre os palestrantes estavam grandes nomes, como o filósofo Leandro Karnal, os médicos Alexandre Kalache e Raul Cutait, a historiadora Mary del Priore e a presidente do instituto Eu Decido, Luciana Dadalto, além de cônsules da Suíça, Países Baixos e Bélgica.
“Hoje, a liberdade de escolha está se sobrepondo a antigos dogmas ou tradições, que impunham certas ações ou atitudes. O direito de dispor da própria vida é uma conquista recente e ela abrange como viver e como morrer. É fundamental não perder de vista que a dignidade é um direito universal e que sem dignidade não há felicidade. Discutir isso com a sociedade num país como o Brasil é uma necessidade”, justifica Antonio Penteado de Mendonça, advogado e presidente da Academia Paulista de Letras.
Com o evento, o presidente da APL espera aprofundar essa discussão que, em sua visão, precisa ser vista friamente, sem pré-julgamentos ou vontades e crenças pessoais. “A decisão não é coletiva, mas individual. Cada um é livre para dispor da própria vida e consequentemente da própria morte, de acordo com suas convicções”, complementa.
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