Mariana Kotscho
Busca
» ADOLESCÊNCIA

Quando o comum vira espetáculo: o adoecimento por trás da exposição adolescente

Como a vida pessoal dos adolescentes vira espetáculo na internet e suas consequências para a saúde mental

Larissa Fonseca* Publicado em 14/05/2025, às 06h00

A pressão nos adolescentes para agir como adultos na internet está contribuindo a uma crise de referências - pexels
A pressão nos adolescentes para agir como adultos na internet está contribuindo a uma crise de referências - pexels

Recentemente, um episódio envolvendo um desentendimento entre um casal de namorados adolescentes (algo absolutamente corriqueiro na vida de qualquer jovem) ganhou proporções gigantescas. Um conflito banal, como tantos que já vivenciamos na adolescência, virou pauta nacional. E por quê? Porque envolvia nomes conhecidos e, mais do que isso, porque foi exposto ao mundo virtual como se fosse entretenimento.

O que antes era vivido na intimidade do grupo de amigas, das conversas ao pé do ouvido ou, no máximo, registrado num diário com cadeado, hoje vira post, print, vídeo, thread. A vida pessoal virou vitrine. E, no centro disso, adolescentes ainda em processo de construção da própria identidade, expostos ao olhar cruel e implacável da internet, um tribunal onde juízes não se identificam e sentenças são proferidas sem empatia.

É preciso dizer: isso adoece. Isso empobrece as relações. Isso desconstrói a saúde mental de uma geração que já vive sufocada por pressões estéticas, performáticas e sociais.

Conflitos adolescentes, que deveriam ser tratados com cuidado e orientação, viram combustível para curtidas, comentários e compartilhamentos.

Vivemos uma geração que, embora tenha acesso a tudo, está cada vez mais despreparada emocionalmente. A maturidade está atrasada, o senso crítico enfraquecido, e as referências positivas escassas.

Muitos jovens crescem sem estrutura emocional básica para lidar com frustrações, limites e adversidades. O que antes era conquistado com convivência, diálogo, vivência e exemplo, hoje é substituído por filtros, trends e métricas de engajamento.

Há pouco tempo, uma série adolescente escancarou os riscos das relações abusivas, da exposição exagerada, do abandono emocional e da falta de estrutura familiar. Foi manchete. Virou roda de conversa. Pais se disseram alertados. Mas bastaram alguns dias para percebermos que, na prática, pouco ou nada mudou. Continuamos entregando nossas crianças e jovens à influência de influenciadores que não influenciam nada que valha a pena. Mais do que isso: seguimos incentivando. Alimentamos a ilusão de que sucesso se mede em seguidores, e não em valores. O resultado? Adolescentes sendo moldados por “modelos” vazios. Influenciadores que, no fundo, é que deveriam ser influenciados por bons exemplos, por ética, por propósito.

E o mais lamentável: em vez de termos responsáveis orientando, educando, guiando, temos irresponsáveis no papel de “responsáveis”. Adultos sem preparo, sem presença, sem limites, sendo os principais condutores (ou melhor, descondutores) da formação física, social e emocional de crianças e jovens.

Estamos vivendo uma crise de referências. Quando o sonho de vida de um adolescente é apenas "ser famoso na internet", o que isso nos diz sobre o que estamos valorizando como sociedade?

Quando ouço uma adolescente dizer que quer ser influencer, me pergunto: influenciar o quê? Para quê? Com que base? Tornamos os números mais importantes que os afetos. Seguidores valem mais que amigos reais. A vida virou um palco onde até os sentimentos são encenados para gerar engajamento.

Enquanto isso, jovens são pressionados a tomar decisões que nem adultos conseguem sustentar. Aos 6, 8 ou 15 anos, esperam que saibam o que querem da vida, quando ainda nem descobriram quem são.

Ontem, guardávamos nossos segredos a sete chaves. Hoje, imploramos para que todos vejam. Quem não compartilha, não existe. Quem não se expõe, é invisível.

Estamos cobrando posturas adultas de jovens que sequer tiveram chance de amadurecer. Cercados por adultos infantis, o que lhes resta como referência?

Até quando vamos transformar a dor em entretenimento? Até quando o espetáculo da exposição vai valer mais que a preservação da saúde mental e emocional de nossos jovens?

Está mais do que na hora de recolher, acolher, proteger. De resgatar o papel do adulto que guia, que educa, que é presença segura. De ensinar que relações verdadeiras e sonhos são construídos com base, com repertório, com vivência, e não com likes.

E de lembrar que a verdadeira influência não é aquela que se mede em visualizações, mas sim a que transforma vidas para melhor.

Veja também 

E para você, adolescente, jovem, tenha certeza de que seus seguidores de verdade não são aqueles que você nunca viu, com quem você não convive, não troca, não aprende, não ensina, não se emociona. Aqueles que estão por trás de telas, que curtem ou comentam por impulso, não são seus amigos. E não, não é a opinião deles e nem o like deles que importa. A verdade é que muitos sequer se importam com você ou com o seu bem-estar de verdade. O que realmente importa são os seus seguidores reais: aquele pai, mãe, familiar, amigo, professor, vizinho... gente de carne e osso, que te conhece de verdade, que te orienta, te acompanha nos dias bons e ruins, que se preocupa, que te olha nos olhos, que vibra com suas conquistas e te ampara nas quedas. Essas pessoas, sim, seguem você de verdade, seguem com afeto, com cuidado, com presença. Não troque essas conexões reais por números vazios. No fim das contas, é com esses laços que a gente constrói quem é e para onde vai. O resto... é só ruído.

*Larissa Fonseca é Pedagoga e NeuroPedagoga graduada pela USP, Pós Graduada em Psicopedagogia, Psicomotricidade e Educação Infantil. Autora do livro Dúvidas de Mãe.

*Com edição de Marina Yazbek Dias Peres