O aumento do uso de ferramentas de IA entre jovens revela uma carência de apoio emocional nas relações humanas
Bruna Madureira* Publicado em 07/08/2025, às 06h00
Nos últimos tempos, tenho observado com preocupação o crescimento do uso de ferramentas de inteligência artificial por adolescentes em busca de apoio emocional. Dados da Pew Research nos Estados Unidos mostram que o uso do ChatGPT entre jovens de 18 a 29 anos subiu de 33% em 2023 para 43% em 2024. Mas o que realmente chama atenção é a forma como esses jovens têm recorrido à IA não apenas para estudar ou trabalhar, mas para desabafar, buscar conselhos e, em muitos casos, aliviar dores emocionais.
Quando um adolescente sente que só lhe resta conversar com uma máquina ao invés de alguém próximo, precisamos nos perguntar: o que está falhando nas relações humanas? Essa realidade não fala apenas sobre eles, mas sobre todos nós. Fala sobre como temos nos relacionado com a dor do outro — ou deixado de nos relacionar.
Vivemos em uma cultura em que sentir parece ser um erro. Emoções são vistas como exagero, fraqueza ou falha de caráter. Crescemos ouvindo que precisamos ser fortes, produtivos, resilientes, e que qualquer pausa é sinônimo de fracasso. Sentir tornou-se quase um crime contra a lógica da performance. Emoções que não servem diretamente para melhorar o rendimento são descartadas. Só é permitido sentir se for para performar melhor. Fora disso, o sentir é um estorvo.
Essa negação da vulnerabilidade tem produzido efeitos visíveis entre os jovens. Um exemplo disso é o surgimento dos chamados “diários de terapia” com inteligência artificial. São interações com comandos estruturados, em que adolescentes tentam encontrar conforto e escuta em um lugar onde não há julgamento, nem exposição. A ausência de rosto, de crítica, e a disponibilidade contínua da IA criam uma ilusão de acolhimento que, embora compreensível, evidencia uma carência profunda: faltam espaços seguros para os jovens existirem em sua inteireza emocional.
A vergonha e o medo de julgamento afastam os adolescentes do diálogo verdadeiro. Muitos crescem acreditando que errar, ter dúvidas ou demonstrar fragilidade os torna indignos de amor ou aceitação. Como consequência, vestem armaduras emocionais para sobreviver — e escolhem interações seguras, mesmo que artificiais.
É fundamental entender que esse movimento não é apenas responsabilidade das famílias. Ele reflete um modelo social que exige excelência em todas as áreas da vida e nega a vulnerabilidade como parte essencial da experiência humana. Vivemos em uma sociedade que sobrecarrega os indivíduos com múltiplas exigências e não oferece suporte algum. O custo de vida sobe, o tempo falta, e as exigências estéticas, profissionais e familiares se acumulam, especialmente sobre as mulheres. Como criar vínculos profundos com os filhos se estamos todos exaustos?
A criação dos filhos também foi engolida pela lógica performática. Cursos, escolas bilíngues, viagens, currículos impecáveis. Mas e o vínculo? Muitas vezes, a conexão emocional é sacrificada em nome de um ideal de sucesso que nem sequer foi questionado. E quando não há espaço para errar, para sentir ou simplesmente ser acolhido, não há espaço para ser humano.
O uso crescente da inteligência artificial como substituto da escuta humana é um sinal de alerta claro. Se queremos que nossos adolescentes confiem novamente no diálogo com pessoas reais, precisamos oferecer o que as máquinas não podem: presença verdadeira, escuta genuína, empatia. Isso exige, antes de tudo, que repensemos a forma como nos relacionamos com as emoções — as nossas e as dos outros.
Vejo com esperança a possibilidade de criarmos espaços de escuta qualificada fora dos contextos clínicos tradicionais: nas escolas, em centros culturais, nas redes sociais. Grupos de acolhimento, rodas de conversa, profissionais disponíveis para dialogar com os jovens em ambientes mais acessíveis podem fazer uma diferença enorme. O essencial é que eles se sintam vistos, escutados e respeitados em suas singularidades.
E dentro de casa, pequenos gestos têm um impacto imenso. Um tempo de qualidade, livre de telas. A escuta sem interrupções ou julgamentos. A validação de um sentimento ao invés de sua negação automática. A conversa espontânea, despretensiosa. Não é necessário oferecer respostas perfeitas — só é preciso estar disponível emocionalmente. Mostrar que estamos ali, inteiros, humanos. Isso já é um começo poderoso.
Se quisermos que nossos adolescentes escolham conversar com pessoas, e não com máquinas, precisamos construir ambientes onde seja possível existir sem medo. Onde sentir não seja motivo de vergonha. Onde errar não seja sinônimo de fracasso. Onde a escuta seja mais importante do que a correção. Essa é uma mudança urgente — e ela começa com cada um de nós.
Sobre Bruna Madureira
Facilitadora e Palestrante, Psicóloga Clínica e Organizacional - Psicóloga clínica com PhD em Psicologia e mais de 15 anos de experiência em áreas como a Força Aérea Brasileira, o Núcleo de Doenças da Beleza da PUC-Rio e Recursos Humanos, além de especialista em trauma. Sua abordagem integra Teoria Sistêmica, Gestalt-Terapia, Somatic Experiencing e Mindfulness, promovendo autoconhecimento, regulação emocional e construção de relações baseadas em segurança e pertencimento. É supervisora clínica, palestrante e facilitadora de grupos terapêuticos, com foco no desenvolvimento humano e na transformação pessoal. Acredita no poder das conexões genuínas para fortalecer indivíduos e comunidades, criando espaços onde cada história encontra acolhimento e respeito.