Explorando como líderes éticos inspiram confiança e resultados sustentáveis. O caso do boné
Milena Brentan* Publicado em 03/09/2025, às 11h00
Nos últimos dias acompanhei um episódio no US Open que parecia cena de filme: um homem tomou das mãos de uma criança o boné que o tenista Kamil Majchrzak havia lhe dado de presente. Na gravação é possível ver o boné sendo direcionado à criança e o momento em que o adulto entra na frente para puxar rapidamente o presente, seguido de um tom de “não sei o que vocês estão falando”. Estes 10 segundos rodaram o mundo pelas mídias sociais e se consolidaram como um retrato do “líder arrogante” já que aquele adulto é um CEO. Mas o que não estamos falando sobre este tema?
Existem diferentes perfis de líderes (pode ir imaginando os que você conhece enquanto percorre as próximas linhas deste texto). Aqueles que crescem apesar dos outros (olhando apenas para si mesmos); os que crescem junto com os outros; e aqueles que não lideram pelo propósito genuíno de transformar o entorno, mas que são pessoas com valores sólidos.
Tendo trabalhado com lideranças nos últimos 25 anos, conheci de perto todo tipo de liderança. Alguns destes executivos seguram empresas inteiras nos ombros, fazem escolhas difíceis e necessárias sem perder a humanidade, olham para as pessoas ao mesmo tempo que olham para os números.
Quando pensamos em empresas que prosperam com líderes que aliam rentabilidade corporativa e princípios, a Patagônia é um dos exemplos mais emblemáticos. Fundada por Yvon Chouinard, a marca transformou propósito em estratégia de negócio ao colocar o planeta no centro de cada decisão. Tanto que nem seu afastamento definitivo da empresa seria suficiente para minar sua intenção. Em 2022 (49 anos depois de sua fundação), Chouinard transferiu a companhia para um trust e uma ONG, garantindo que os lucros futuros fossem usados integralmente para combater a crise climática. A liderança aqui não é discurso: é prática concreta que inspira confiança, fidelidade de clientes e resultados sustentáveis ao longo do tempo. Agora pensa se você veria o fundador da Patagônia nesta cena do US Open? Bastante improvável.
No Brasil temos histórias fortes nesse sentido. A Natura construiu sua reputação global unindo biodiversidade amazônica, inovação e diversidade nas relações de trabalho. Já a Magazine Luiza, sob a liderança de Luiza Trajano tornou-se referência ao unir inovação no varejo, inclusão, responsabilidade social e protagonismo feminino no mundo dos negócios. E não são casos isolados. Multinacionais como Microsoft, Unilever, Danone e Salesforce também demonstram como líderes como Satya Nadella, Paul Polman ou Marc Benioff conseguem alinhar resultados e humanidade e provando que empatia apenas fortalece negócios. Claro que ninguém é 100% imune a críticas, mas esses nomes têm trajetória pública consistente, pautada por integridade, impacto positivo e pouca ou nenhuma polêmica. O que os une parece ser a compreensão de que prosperar no longo prazo exige zelar pelo seu interesse e lucro ao mesmo tempo que considera as pessoas e o mundo. Essas empresas mostram que, ao combinar empatia com estratégia, líderes podem gerar tanto impacto positivo quanto prosperidade financeira.
A viralização deste caso no US Open mostra que a sociedade não tolera atitudes de poder desproporcional e que a expressão “fácil como roubar doce (ou boné) de criança” tem consequências. Mesmo se dermos o benefício da dúvida ao caso, aquele gesto levou a muitas dúvidas sobre a índole do executivo. E por falar em índole, em contextos que altas lideranças navegam, com decisões que não raramente esbarram em ética, cada pequeno gesto importa (e precisa importar mesmo). Por isso, ao invés de ficarmos apenas no escândalo, vamos lembrar daqueles líderes e empresas que constroem confiança pelo caminho da coerência entre valores e práticas, respeito às pessoas e compromisso com algo maior que si mesmos. Esses são os exemplos que, quando observados, merecem ganhar mais espaço.
*Milena Brentan é psicóloga e consultora especializada em desenvolvimento de lideranças e cultura organizacional. Com mais de 20 anos de experiência, liderou áreas de RH em empresas como Airbnb e GPA, e atuou como sócia-operadora da gestora de venture capital Vox Capital. Hoje, apoia executivos e startups a navegarem complexidades com mais clareza, autenticidade e resultados sustentáveis.