Quando os adultos não assumem o papel de pais responsáveis, cria-se uma sociedade frágil entre adultização e infantilização
Larissa Fonseca* Publicado em 25/08/2025, às 06h00
Vivemos um tempo curioso, e preocupante, em que se adultizam crianças e se infantilizam adultos.
Crianças são incentivadas a vestir roupas que não foram feitas para brincar, ouvir músicas que não foram feitas para a sua idade, lidar com escolhas, dilemas emocionais e sociais que pertencem a uma fase da vida que ainda está distante.
Ao mesmo tempo, vemos adultos que fogem das responsabilidades, terceirizam decisões, evitam compromissos e se refugiam em um estado de adolescência permanente.
Nas famílias, pais e mães muitas vezes deixam de ser referência, porque preferem se colocar como “iguais” aos filhos, em vez de assumir o papel e a autoridade afetiva que lhes cabe. Nos relacionamentos, há impaciência para construir vínculos sólidos e pouco espaço para a tolerância, o cuidado e o amadurecimento conjunto. No trabalho, falta consistência: projetos que começam e não terminam, decisões tomadas de forma impulsiva e uma dificuldade crescente em lidar com frustrações ou críticas. Nas produções culturais, vemos um consumo rápido, descartável, que exige pouco esforço intelectual e reforça esse ciclo de superficialidade.
Quando adultizamos crianças, tiramos delas o direito de viver plenamente a infância, com suas descobertas, fantasias e aprendizados no tempo certo. Além disso, expor precocemente meninos e meninas a padrões estéticos, comportamentos e responsabilidades de adultos não só rouba a leveza dessa fase, como também compromete a segurança, a saúde física e emocional, aumentando a vulnerabilidade a abusos, adoecimento psicológico, ansiedade, estresse e outros disturbios.
Quando infantilizamos adultos, privamo-nos de líderes, cuidadores, profissionais e cidadãos preparados para sustentar o que a vida adulta exige. Ao evitar responsabilidades, postergar decisões importantes ou se refugiar em comportamentos imaturos, o adulto deixa de exercer papéis essenciais para a sociedade. Uma sociedade formada por adultos emocionalmente dependentes ou incapazes de assumir consequências inevitavelmente perde força, estabilidade e visão de futuro.
O mais alarmante é que, muitas vezes, quem precisa de cuidados e direcionamento que é a criança e o adolescente é quem tem assumido a função de cuidar e direcionar. Enquanto isso, quem deveria liderar e guiar parece mais perdido do que nunca. Há um ciclo histórico que nos lembra: tempos difíceis criam pessoas fortes; pessoas fortes criam tempos fáceis; tempos fáceis criam pessoas fracas. Será que estamos exatamente nesse ponto? Que tempos estamos criando? Ainda há tempo para mudar o rumo.
A mudança não começa em grandes revoluções, mas no resgate do essencial: pais presentes e firmes, que assumem seu papel com afeto e autoridade, adultos que não se esquivam do peso das próprias escolhas, professores, líderes e cuidadores que inspiram mais pelo que fazem do que peloque dizem, famílias e comunidades que sustentam, no dia a dia, valores como compromisso, paciência e cuidado mútuo.
Já passou da hora de devolver a cada fase da vida o que lhe pertence: o brincar às crianças, a responsabilidade aos adultos. Porque, se continuarmos trocando os papéis, corremos o risco de criar uma geração que não sabe nem brinca e nem assumir o que precisa ser feito.
*Larissa Fonseca é Pedagoga e NeuroPedagoga graduada pela USP, Pós Graduada em Psicopedagogia, Psicomotricidade e Educação Infantil. Autora do livro Dúvidas de Mãe.
*Com edição de Marina Yazbek Dias Peres