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Afroempreendedorismo no Brasil: memória, potência e futuro

Entenda como a herança cultural molda o afroempreendedorismo no Brasil, superando desigualdades e desafios financeiros

Laila Drumond* Publicado em 20/11/2025, às 15h03

Laila Drumond
Laila Drumond, coautora do livro “O Protagonismo das Mulheres na Liderança – Vol. 3” - Foto: Divulgação

O afroempreendedorismo no Brasil é uma continuidade histórica que remonta a práticas comerciais de civilizações africanas, refletindo tanto a luta contra a desigualdade quanto a criatividade e inovação dos empreendedores negros atuais.

Dados do Sebrae indicam que o número de empreendedores negros cresceu 22% em dez anos, mas a maioria ainda empreende por necessidade devido ao racismo estrutural que limita seu acesso a oportunidades e renda.

Para transformar o ecossistema do afroempreendedorismo, são necessárias políticas públicas específicas, redes de apoio e maior visibilidade para negócios negros, além de um consumo consciente que fortaleça a economia local.

Resumo gerado por IA

O afroempreendedorismo no Brasil não nasce só da necessidade ou da desigualdade. Ele nasce de memória. De uma herança econômica, social e cultural que antecede a escravidão e atravessa séculos.

Quando pessoas negras empreendem hoje, elas se conectam,de forma consciente ou não, a práticas comerciais que estruturaram os grandes impérios africanos muito antes da diáspora. Essa ancestralidade dialoga com uma realidade marcada por desafios financeiros e raciais, mas também por criatividade, inovação e reinvenção.

Antes da diáspora: a base econômica africana

Civilizações como Mali, Gana e Songhai construíram sistemas econômicos complexos séculos antes do contato com a Europa.  Havia mercados regionais estruturados, rotas comerciais que conectavam territórios inteiros e redes que movimentavam ouro, sal, tecidos, arte, conhecimento e tecnologias sociais.

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Esses impérios mantinham normas próprias de comércio, gestão de recursos e formas organizadas de cooperação, como uma espécie de “código mercantil africano”.

Embora o processo colonial tenha interrompido essa estrutura, não eliminou seus princípios: colaboração, estratégia, inteligência comunitária e criação de valor.

Essa base explica por que o afroempreendedorismo atual não é apenas uma resposta à desigualdade, mas também continuidade histórica.

A realidade: empreender para existir

De acordo com levantamento do Sebrae, baseado na PNAD Contínua, o número de empreendedores negros cresceu 22% em dez anos, ultrapassando o avanço registrado entre brancos. Hoje, pretos e pardos já representam a maioria dos donos de negócios no país! 

Mas há um ponto central: a maior parte empreende por necessidade. O racismo estrutural continua restringindo o acesso de pessoas negras ao mercado formal, à renda estável e a oportunidades de crescimento profissional. Assim, muitos negócios nascem como alternativa de sobrevivência, e só depois se transformam em empresas formalizadas.

Segundo o IBGE, pretos e pardos seguem recebendo, em média, menos da metade da renda de pessoas brancas, o que impacta diretamente a forma como empreendem e se sustentam no mercado. 

Obstáculos estruturais

  • Crédito restrito        

Empreendedores negros enfrentam mais barreiras para acessar financiamento. Exigências de garantias, histórico de informalidade e filtros estruturais reduzem as chances de aprovação, mesmo para negócios considerados de alto potencial.

O IPEA aponta que a dificuldade de acesso a crédito formal é um dos principais mecanismos de reprodução da desigualdade econômica no país.

  • Menor renda e menos capital de reinvestimento

A renda média historicamente inferior reduz a margem para reinvestir, contratar, inovar e competir, entendo que o lucro do que se empreende é para suprir os custos mensais, como alimentação, moradia e saúde. 

  • Capacitação limitada

Programas de formação ainda não chegam na mesma intensidade a territórios majoritariamente negros. Muitos empreendedores não possuem formação em gestão, finanças, marketing ou áreas correlatas que contribuem para um planejamento estratégico e análise de riscos para o crescimento dos pequenos e médios negócios. 

  • Baixa visibilidade

Negócios negros recebem menos destaque na mídia, em feiras e plataformas. Sem visibilidade, é mais difícil acessar parcerias e clientes.

A potência dos hubs afrocentrados

Mesmo diante dos desafios, iniciativas estruturadas têm fortalecido o ecossistema. A PretaHub, fundada por Adriana Barbosa, também criadora da Feira Preta, é uma das principais referências no apoio a negócios negros no Brasil.

Seu programa Afrolab já transformou estratégias, produtos e comunicação de milhares de empreendedores criativos em todo o país. Hubs afrocentrados como esse mostram o que já sabemos na prática: quando pessoas negras têm acesso, redes e condições reais, a inovação acontece.

Por que o afroempreendedorismo importa

O afroempreendedorismo importa porque fortalecer a economia negra é, de forma muito simples, fortalecer o Brasil. Negócios liderados por pessoas negras movimentam territórios inteiros, geram emprego onde o Estado não chega, criam soluções culturais, sociais e tecnológicas que nascem da vida real e impulsionam cadeias produtivas que antes eram invisíveis. Quando um negócio negro prospera, ele não cresce sozinho: ele fortalece a comunidade, aumenta a circulação de riqueza nas periferias e abre espaço para novos mercados que antes sequer eram considerados pelo mainstream.

Investir no afroempreendedorismo é uma escolha estratégica. É expandir o PIB, acelerar inovação e enfrentar desigualdades históricas que há décadas comprometem o desenvolvimento do país. Não é um gesto simbólico, é política econômica inteligente.

O que pode transformar o ecossistema

Para transformar esse ecossistema, no entanto, é preciso mais do que discursos. Políticas públicas específicas são urgentes: linhas de crédito direcionadas, juros acessíveis e programas de incentivo que reconheçam as desigualdades estruturais que travam o acesso de pessoas negras ao capital.     

Redes afrocentradas fortes são outro pilar essencial. Hubs e coletivos criam o ambiente onde mentoria, parceiros, investidores e aceleração finalmente se tornam realidade, e não mais uma promessa. Do mesmo modo, visibilidade não é detalhe: imprensa e empresas precisam assumir o papel de destacar negócios negros, porque narrativa também é poder econômico.

Por fim, o consumo consciente se torna parte da estratégia. Comprar de negócios negros fortalece a economia local, reequilibra o jogo e corrige, aos poucos, desigualdades que nunca foram naturais.

O afroempreendedorismo brasileiro é memória e futuro.  É resistência, criatividade, estratégia e autonomia.

Fortalecer esse ecossistema é ampliar a capacidade de transformação econômica do país e permitir que uma herança de inteligência coletiva siga moldando novos negócios, caminhos e possibilidades.

O Brasil cresce quando a potência negra prospera.

*Laila Drumond é coautora do livro “O Protagonismo das Mulheres na Liderança – Vol. 3”.

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