SkinnyTok e o culto à magreza revelam como as redes sociais ressuscitam padrões estéticos perigosos e estimulam transtornos alimentares nas adolescentes
Vanessa Kopersz* Publicado em 24/10/2025, às 06h00

A ascensão de tendências de magreza extrema nas redes sociais, especialmente no TikTok, tem gerado preocupações sobre o impacto negativo na saúde mental de adolescentes, levando a um aumento nos casos de transtornos alimentares.
Estudos indicam que mais de 70 milhões de pessoas no mundo sofrem de distúrbios alimentares, com o Brasil contabilizando cerca de 15 milhões, refletindo uma crise que se intensificou após a pandemia e a influência de celebridades que promovem padrões de beleza irrealistas.
Em resposta, a Comissão Europeia iniciou investigações sobre a hashtag #SkinnyTok, enquanto o TikTok afirma que não permite conteúdo que promova transtornos alimentares, redirecionando buscas relacionadas a recursos especializados para os usuários.
A eleição de Donald Trump e a guinada à direita nos EUA, sem dúvida, enfraqueceram a onda ‘Woke’, que pregava, entre outras tantas causas, a diversidade de corpos. Se antes víamos pesos mais plurais nos anúncios publicitários e semanas de moda, hoje já podemos notar que ícones fashion como Kate Moss (famosa pela magreza no estilo ‘’heroin chic’’, outrora debelado pela saudabilidade de Gisele Bündchen nos anos 90) e Twiggy já são novamente uma grande inspiração.
Para meninas adolescentes, muito suscetíveis a sugestões e ainda inseguras com suas imagens, esse sobe e desce de tendências corporais gera confusão e o pior, transtornos alimentares. Mas não culpemos só a indústria da moda. Hoje em dia, sabemos que a toxicidade das redes sociais é muito, mas muito, mais nociva.
Uma das redes sociais mais acessadas pelos adolescentes é o Tik Tok, ao lado do Instagram e do Whatsapp (de acordo com dados de pesquisa da TIC Kids online).
Pois na rede famosa pelas dancinhas, a hashtag #SkinnyTok costumava trazer em seu feed vídeos sobre técnicas radicais de emagrecimento, incluindo dietas muito restritivas e rotinas espartanas de exercícios, o que naturalmente, mexe com a cabeça de meninas em dúvidas com relação a suas aparências. Milhares de vídeos trazem imagens de corpos extremamente magros, acompanhadas de frases como “Não seja fraca, seja magra” ou “Sofra para ser perfeita”.
Assim, a Comissão Europeia arregaçou as mangas e começou a apurar a tendência #SkinnyTok após um apelo feito em abril pelo ministro digital da França, citando preocupações de que o TikTok estaria promovendo a magreza extrema e glamourizando a anorexia. Na rede, as ‘dicas’ bizarras incluem: comer apenas uma vez por dia ou apenas beber líquidos, cortar grupos alimentares inteiros, entre outras.
Celebridades também ajudam a reforçar o estereótipo palito, com o advento das canetas emagrecedoras como Ozempic e Mounjaro: a atriz Lily Collins, famosa pela série ‘’Emily in Paris’’, a cantora e atriz Ariana Grande e a até a veterana Demi Moore são exemplos lá fora. Aqui, a sertaneja Maiara, a modelo Yasmin Brunet, Adriane Galisteu e a global Carolina Dieckmann levantam suspeitas de estarem à margem de transtornos alimentares.
A Associação Brasileira de Psiquiatria estima que mais de 70 milhões de pessoas no mundo possuam algum distúrbio alimentar. No Brasil seriam 15 milhões de pessoas, segundo o coordenador do programa de transtornos alimentares do Hospital da Universidade de São Paulo (USP), Táki Cordás. Ele afirmou que 1% da população brasileira tem anorexia nervosa.
A bulimia nervosa, que atinge 1,5% da população, não é tão facilmente detectada quanto a anorexia, porque, como não há muita alteração no corpo, pode passar despercebida. O sintoma mais evidente é a compulsão alimentar.
Para Wagner Gurgel, Psiquiatra da infância e adolescência e Coordenador médico do PROTAD (Programa de Assistência, Educação e Pesquisa em Transtornos Alimentares na Infância e Adolescência) no Instituto de Psiquiatria da Faculdade de Medicina da USP, ‘’ houve um aumento de casos de transtornos alimentares no mundo todo desde a pandemia, assim como a moda têm voltado ao seu culto à magreza. Nos nossos atendimentos a casos de transtornos alimentares no Hospital das Clínicas, infelizmente, nunca ficamos com leitos vagos’’. E com a chegada das canetas emagrecedoras, o cenário piorou: ‘’algumas canetas são tão efetivas em cortar o apetite, que chegam a causar, colateralmente, a anorexia nervosa em meninas’’.
Para a psicóloga Valdirene Novaes Pimentel, Psicóloga - colaboradora do PROTAD – Ambulim/IPq-FMUSP , ‘’a adolescência é um período de muitas transformações profundas, principalmente no corpo. E esse corpo, que está mudando, passa a ser também uma forma de comunicação’’. Para ela, o corpo infantil começa a chamar atenção, a se transformar — e isso, muitas vezes, traz incômodo, dúvidas e insegurança. O adolescente passa a se olhar de outro jeito e a ser olhado de outro jeito também. E junto com isso vem uma necessidade enorme de aprovação, de se sentir aceito, de pertencer a um grupo.
Contudo, Valdirene frisa que ‘’nem sempre os adolescentes conseguem encontrar recursos internos pra lidar com tudo isso. E então o corpo passa a ser o meio pelo qual tentam exercer algum tipo de controle. O transtorno alimentar, muitas vezes, pode ser entendido como uma dor emocional expressa no corpo’’.
Na adolescência também, começam as comparações. A busca por transformações pra ser aceito, pra se enquadrar, pra caber nesse ideal. E as redes sociais acabam tendo um papel muito forte nisso. ‘’Quando um adolescente vulnerável se conecta a esse mundo, há uma grande possibilidade de ele acreditar que aquele é o modelo de sucesso, de felicidade, de pertencimento. E o problema é que, quando ele começa a buscar esse tipo de conteúdo, o próprio algoritmo passa a oferecer mais e mais do mesmo’’.
Paras as meninas, que costumam ser mais inseguras nessa idade, esse excesso de exposição vai afetando a autoestima e alimentando um sentimento profundo de inadequação. ‘’Lembro de uma garota, num grupo terapêutico, que me disse algo muito marcante: ‘Eu sei que isso não é real. Sei que essas imagens são editadas, sei que passam horas na academia… mas quando eu olho pra aquele corpo, eu quero ter aquele corpo’ ‘’, completa a psicóloga.
Nessas horas, é essencial que a família e a escola acolham, e não critiquem. Ninguém escolhe ter um transtorno alimentar e sofrer dessa forma. ‘’É preciso compreender o que esse adolescente está sentindo, o que ele está tentando comunicar através do corpo’’, crava a psicóloga.
Muitas vezes, o corpo acaba sendo o cenário onde se manifesta aquilo que não pôde ser dito. ‘’O corpo fala o que a palavra ainda não consegue expressar. Então o nosso papel, como profissionais, como pais e educadores, é escutar esse corpo, escutar essa dor — e oferecer presença, acolhimento e um espaço seguro pra que o adolescente possa reencontrar o próprio sentido”, finaliza a profissional.
OBS: Procuramos a assessoria de imprensa do Tik Tok e recebemos os seguintes posicionamentos: ‘’Queremos que as pessoas se sintam confiantes para criar e compartilhar de maneira autêntica, sem a pressão de comparar seu corpo com o de outras pessoas. Por esse motivo, não permitimos conteúdo que promova transtornos alimentares e práticas perigosas de controle de peso. Também não permitimos a comercialização, o marketing ou o fornecimento de acesso a produtos e serviços relacionados ao gerenciamento de peso que incluam alegações exageradas ou prejudiciais. Quando alguém tenta buscar o termo “SkinnyTok” em nossa plataforma, nenhum resultado é exibido e, em vez disso, direcionamos a pessoa a recursos especializados’’.
*Vanessa Kopersz é jornalista
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