Mariana Kotscho
Busca
» Distúrbio Alimentar

O prato vazio que ninguém vê: distúrbio alimentar pediátrico existe - e não é fase

Não é frescura, nem falta de limites. É um distúrbio alimentar com base clínica, que compromete o bem-estar de crianças

Maria Fernanda Cestari* Publicado em 22/05/2025, às 06h00

Atenção aos hábitos alimentares é importante - pexels
Atenção aos hábitos alimentares é importante - pexels

Quantas vezes você já ouviu a frase: “em casa que tem comida, criança não passa fome”?

Essa ideia persiste — e machuca. Porque há crianças que não comem. Não porque são birrentas. Não porque estão "manipulando" os pais. Mas porque sofrem.

O nome disso é Distúrbio Alimentar Pediátrico (DAP). Um diagnóstico ainda pouco conhecido fora dos consultórios, mas que afeta milhares de famílias brasileiras — muitas delas sem acesso ao cuidado que precisam.

O DAP não está ligado apenas ao autismo ou a quadros neurológicos. Ele também pode aparecer em crianças com desenvolvimento típico, que passam a recusar alimentos de forma persistente, seletiva e angustiante.

Essa recusa pode ter origem em quatro áreas-chave:

  • Alimentar/Habilidade oral: dificuldade em manipular, mastigar ou engolir alimentos com segurança. A criança pode engasgar com frequência, recusar texturas específicas ou não conseguir avançar nas consistências alimentares esperadas para sua idade.
  • Médica/Orgânica: quadros clínicos que interferem no comer, como refluxo, constipação crônica, alergias alimentares (como APLV ou esofagite eosinofílica), alterações neurológicas (como TEA, síndromes ou atrasos motores), e questões respiratórias (aspiração silenciosa, cardiopatias congênitas, doenças pulmonares da prematuridade).
  • Nutricional: ingestão calórica insuficiente, recusa persistente de grupos alimentares essenciais ou alimentação baseada em pouquíssimos itens, com risco real de deficiências nutricionais.
  • Psicossocial: ambiente alimentar marcado por sofrimento — choro, tensão, brigas, medo da refeição. A ansiedade familiar e o desgaste emocional afetam tanto a criança quanto quem cuida dela.

Veja também 

Mas o que acontece na prática? Pais são julgados como permissivos. Crianças são chamadas de difíceis. E o diagnóstico se perde entre culpabilizações e orientações genéricas como “não ceda”, “deixa com fome” ou “não force”.

Enquanto isso, o prato continua vazio. E o sofrimento, invisível.

É hora de incluir o DAP nas conversas públicas sobre saúde infantil. Porque reconhecer um distúrbio é o primeiro passo para tratar — e cuidar de verdade.

Maio é o Mês de Conscientização sobre o Distúrbio Alimentar Pediátrico.

E essa pauta precisa chegar muito além dos consultórios.

fono
A fonoaudióloga Maria Fernanda Cesti

*Maria Fernanda Cestari é fonoaudióloga e professora na área de alimentação infantil. Atua com foco em alimentação infantil, autora de materiais educativos sobre questões alimentares

*Com edição de Marina Yazbek Dias Peres