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Violência e Doença Mental: fato ou ficção?

Estudos realizados ao longo das últimas décadas questionam a ideia de que doenças mentais são um fator determinante para a violência e agressividade

Wagner F. Gattaz* Publicado em 10/12/2024, às 06h00

Atenção aos sinal de saúde mental
Atenção aos sinal de saúde mental
O recente atentado suicida em Brasília reacendeu debates sobre a conexão entre violência e doença mental, trazendo à tona discussões iniciadas desde o caso do “maníaco do parque” em 1998. Essa associação amplamente divulgada pela mídia perpetua estigmas que dificultam a reintegração social de indivíduos com doenças mentais. Antes de aceitar essa ideia como fato, é essencial analisar sua validade e a dimensão de sua contribuição para crimes violentos.
A expressão "doença mental", amplamente utilizada pela mídia, é frequentemente aplicada de forma indiscriminada, abrangendo desde quadros psicóticos até desvios de comportamento associados ao abuso de substâncias. Entretanto, o uso correto do termo se refere a alterações psíquicas qualitativas, como esquizofrenia e transtornos do humor, enquanto condições como transtornos de personalidade ou deficiência mental representam desvios comportamentais extremos, mas não configuram doenças propriamente ditas. 

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Estudos realizados ao longo das últimas décadas questionam a ideia de que doenças mentais são um fator determinante para a violência. Na Alemanha, Haefner e Boeker (1982) demonstraram que não havia aumento significativo de doentes mentais entre criminosos violentos em relação à população geral. Além disso, identificaram que crimes cometidos por pessoas com doenças mentais frequentemente ocorrem em idades mais avançadas, sugerindo que essas condições podem até retardar a expressão de atos violentos. 
Nos Estados Unidos, o projeto ECA (Epidemiological Catchment Area), coordenado pelo National Institute of Mental Health, reforçou essas descobertas. Os estudos revelaram que, embora a associação entre doenças mentais e violência exista, ela é discreta. Em contraste, o abuso de substâncias (álcool e drogas) e o transtorno de personalidade antissocial foram identificados como os principais fatores associados à violência. 
O transtorno de personalidade antissocial, conforme descrito na Classificação Internacional de Doenças (CID-10), inclui características como desrespeito às normas sociais, agressividade, ausência de culpa e baixa capacidade de aprender com experiências negativas. Essas características, combinadas com o consumo de álcool ou drogas, criam um ambiente propício para atos violentos. 
Por outro lado, indivíduos da população geral com abuso de substâncias têm um risco duas vezes maior de cometer violência em comparação com pacientes com esquizofrenia que não consomem álcool ou drogas. O risco aumenta ainda mais quando o abuso de substâncias coexiste com transtornos mentais, conforme demonstrado por estudos de Swanson et al. (1997). 
Um dos estudos mais abrangentes sobre o tema foi conduzido na Dinamarca por Hodgins et al. (1996). A pesquisa analisou mais de 360 mil indivíduos nascidos entre 1944 e 1947, comparando a frequência de crimes violentos entre aqueles com e sem histórico de internações psiquiátricas. Descobriu-se que pessoas com histórico de internação por doenças mentais tinham um risco 4,5 vezes maior de cometer crimes violentos do que a população geral. Entretanto, outros transtornos, como abuso de drogas, elevaram o risco em até 8,5 vezes. 
Embora os dados sejam significativos, é importante destacar que, na Dinamarca, o acesso à assistência psiquiátrica é exemplar, com internações reservadas para casos graves. Assim, o estudo selecionou, a priori, pacientes com maior propensão à agressividade, inflacionando os índices de violência. Mesmo com essas limitações, os resultados indicaram que mais de 93% dos doentes mentais na Dinamarca não são violentos. 
Os dados da Dinamarca não podem ser aplicados diretamente ao Brasil, onde fatores sociais e econômicos influenciam significativamente a criminalidade. Nas grandes metrópoles brasileiras, como São Paulo e Rio de Janeiro, é plausível que o aumento da criminalidade esteja mais relacionado a questões sociais do que a condições de saúde mental. Além disso, enquanto a Dinamarca oferece uma rede ampla de suporte para doentes mentais, o Brasil enfrenta desafios na oferta de tratamento adequado. 
O fato é que a associação entre doença mental e violência, ao menos na intensidade em que tem sido noticiada, não tem base real.  O indivíduo psicótico pode se tornar agressivo se estiver alcoolizado.  Aliás, o não-psicótico também. 
*Wagner F. Gattaz é Chairman da Gattaz Health e professor Titular de Psiquiatria da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo