A sobrecarga de atividades está afetando o desenvolvimento de várias crianças que precisam ter a infância de volta com urgência
Larissa Fonseca* Publicado em 15/09/2025, às 06h00
As necessidades das crianças e adolescentes de hoje não são diferentes das de qualquer outra geração. Eles precisam brincar, descansar, ter tempo livre, conviver, se movimentar, criar, imaginar. O que mudou não foi a infância em si, mas as condições que damos para que ela aconteça.
Vivemos em uma época em que muitos meninos e meninas passam o dia na escola, em período integral ou semi-integral, e ao saírem seguem direto para consultas, terapias e compromissos. Suas agendas se assemelham à de executivos, e o que sobra é um cérebro sobrecarregado, sem espaço para respirar. Nessas condições, não é de se estranhar que tantas crianças recebam diagnósticos de transtornos de atenção, comportamento ou aprendizagem.
O problema é que, em grande parte dos casos, não estamos diante de um cérebro que não consegue aprender, mas de um cérebro exausto, sem tempo para se recuperar. Uma criança pode passar horas estudando e, ainda assim, não conseguir fazer uma boa prova, simplesmente porque não teve descanso suficiente. E então o ciclo se repete: dificuldades são interpretadas como incapacidade, a criança passa a ser vista como “com problema”, surgem diagnósticos e, muitas vezes, a medicalização precoce.
E mesmo em casa, a realidade não é muito diferente. Muitas crianças vivem em apartamentos fechados, com pouca convivência humana e excesso de interações com telas. Diante da televisão, do celular, do videogame ou de brinquedos que funcionam sozinhos, a criança assume sempre uma posição passiva. O resultado é que sobra pouco ou nenhum espaço para criatividade, para reflexão crítica, para leitura, para diálogos significativos e para experiências de convivência que são essenciais ao desenvolvimento humano.
Mas será que essas crianças realmente precisam de mais tarefas, mais especialistas, mais cobranças? Ou será que precisam, com urgência, de tempo de infância? Tempo para brincar no quintal, fazer arte, participar de atividades como escotismo, circo, música, esportes e simplesmente tempo ocioso, de não fazer nada, de deixar o cérebro respirar e se reorganizar.
Infância não é fase de alta performance. É fase de experimentação, de construção, de formação de bases emocionais e cognitivas que sustentarão todo o futuro. Quando roubamos das crianças a chance de viver isso, não apenas comprometemos sua saúde mental e física, como também diminuímos suas reais possibilidades de aprendizagem.
Precisamos resgatar a ideia de que ser criança envolve brincar, criar, descansar e conviver. Muitas das dificuldades que hoje se traduzem em diagnósticos e medicamentos poderiam ser prevenidas se devolvêssemos às crianças o direito básico de viver uma infância inteira.
*Larissa Fonseca é Pedagoga e NeuroPedagoga graduada pela USP, Pós Graduada em Psicopedagogia, Psicomotricidade e Educação Infantil. Autora do livro Dúvidas de Mãe.
*Com edição de Marina Yazbek Dias Peres