As especilistas em saúde emocional, Luciana Farias e Heloísa Capelas, falam sobre a importância do perdão para o bem-estar mental
Luciana Farias* e Heloísa Capelas** Publicado em 13/09/2022, às 06h00
Falar sobre perdão, este sentimento tão debatido e pouco entendido, pode até parecer algo voltado apenas para a saúde mental, mas – o que muitos não sabem – é que dentro desse contexto também existem outros fatores envolvidos, inclusive a saúde física e emocional.
A Sociedade de Cardiologia de São Paulo recentemente levantou esta questão, apresentando uma pesquisa com 65 pacientes sem histórico de doença cardiovascular e 65 que infartaram. Eles mostram que existe uma relação entre não perdoar com a ocorrência de infarto agudo do miocárdio. Foram dois quesitos “quebra de confiança” e “rejeição/desprezo”. No primeiro quesito, a maioria, 65% dos que tiveram infarte, não estavam dispostos a perdoar. Esse número foi de 35% no outro grupo. No segundo quesito, 54% dos que infartaram perdoariam, já entre os que não tiveram infarte o percentual sobe para 72%.
A verdade é que, desde seus primórdios, o ser humano está exposto aos conflitos, sejam internos ou externos. Isso é uma herança da consciência e capacidade de exercer a própria razão. E esses conflitos, interpessoais ou não, estão presentes nas nossas rotinas, principalmente neste século, com o avanço da tecnologia que potencializa o isolamento ou o contato com milhares de pessoas. Carregar consigo ressentimentos e dores que as relações humanas nos expõem, pode gerar um peso paralisador.
A partir das últimas décadas, as pesquisas sobre o perdão e o seu impacto na saúde das pessoas vêm se ampliando. Há, inclusive, relação entre os ressentimentos e o aparecimento de doenças físicas e mentais. As amarguras e a presença do rancor podem gerar efeitos psicossomáticos no corpo, traduzindo essas dores emocionais em patologias como depressão, ansiedade, gastrite nervosa, hipertensão, obesidade, entre outros.
É nesse contexto que se encontra o perdão: um processo que desprende você das feridas causadas pela ofensa e ao mesmo tempo te leva a acessar o sentimento de compaixão. Além de possibilitar relações sociais saudáveis, ele atua como um desintoxicador de emoções ruins reprimidas que, muitas vezes, causam traumas. Essa prática envolve empatia e autopreservação, podendo ser uma aliada nos âmbitos pessoal, amoroso, social e profissional.
As lembranças negativas e a revolta limitam a visão de futuro e a alegria presente. É como estar preso em uma gaiola de porta aberta. A saída está bem à frente, você se sente incapaz de seguir. No entanto, quando você decide perdoar, é como se você se permitisse “voar”, porque o perdão significa “liberdade”, representa você se soltar das dores, das mágoas e ressentimentos que podem, aos poucos, prejudicar e unicamente a si mesmo. Esta é uma ação que abre espaço para que você se conecte muito mais positivamente consigo e depois com as pessoas em seu entorno.
Por esses motivos, trabalhar e estimular o hábito de perdoar, assim como a liberação de emoções negativas, devem sempre fazer parte, não somente de uma estratégia de tratamento da saúde, mas também do processo de crescimento pessoal e maturidade emocional.
Dentro de uma analogia, perdoar é como soltar uma bola de ferro que estava presa à perna. O prisioneiro era você, vítima da sua própria emoção negativa. Até porque, quem machucou, seguiu a vida, mas você permaneceu preso carregando aquela emoção.
Ao se libertar desse peso, seus passos se tornam mais leves e a sua visão e sensação diante dos acontecimentos se tornam mais positivas, passando, não só a considerar a frase já clichê de que “todo mundo erra”, mas também o fato de que você não merece levar esse sofrimento. A pessoa que consegue perdoar retoma o protagonismo da vida. É por isso que perdoar é, acima de tudo, uma questão de inteligência humana.
Assim como os sistemas urinário, linfático, gastrointestinal, respiratório e epidérmico são responsáveis por fazer uma “faxina” no corpo, eliminando as toxinas e os radicais livres, o perdão é como um mecanismo de limpeza mental e espiritual, dando oportunidades para que novas experiências e emoções surjam e sejam aproveitadas pelo indivíduo.
Talvez, em algum ponto da sua narrativa, o perdão possa ser confundido com aceitar situações abusivas ou tóxicas. Há uma grande confusão em que perdoar significa dar poder ou permissividade ao algoz, mas não é nada disso, o ato de perdoar diz muito mais respeito a você, porque é, em sua essência, a conciliação entre você e os seus próprios sentimentos em relação a si e ao mundo. Você pode e deve estabelecer limites saudáveis após um problema. E, se uma situação necessita de perdão, lembre-se que é você quem se liberta das más emoções.
Se foi você quem errou e vive o ressentir da mágoa e das dores emocionais, igualmente o perdão é passo fundamental para seguir com os aprendizados e mudanças a partir de um novo espaço dentro de si, e de romper com ciclos que lhe corroem. De verdade, não há como ter controle sobre o que o outro fará com o pedido do seu perdão, nem mesmo se o aceitará, mas cabe a você seguir, com responsabilidade e respeito ao outro, com o seu passo de mudança. Não temos controle exatamente sobre o que acontece do lado de fora de nós, mas temos sim a escolha de como vamos responder emocionalmente aos acontecimentos.
É comum seguirmos padrões de expectativas em relação ao outro. E nessa espera de que sejam aquilo que esperamos, exigimos, queremos, cobramos e... nos decepcionamos. E a decepção gera sofrimento. Mas seria justo depositar no outro ou em si mesmo a culpa da dor gerada pelas expectativas que você aprendeu a criar ao longo da vida? Não, não é justo e o caminho mais coerente é buscar ajuda para corrigir e adaptar esse processo de amadurecimento emocional.
Já percebemos o quanto as emoções geradas pela falta de perdão interferem em nossa saúde e qualidade de vida, sem falar nas relações e na nossa própria capacidade de evolução e crescimento pessoal e profissional, até porque a inteligência emocional é base para a conexão conosco, com o outro, com a equipe de trabalho e com a nossa família.
É por isso que o perdão está ligado ao aumento de alegria, bem-estar, aos bons sentimentos, ao desenvolvimento, a criatividade, a positividade e a tantas outras melhorias na vida. Se este artigo fez você refletir sobre algo do qual não havia pensado, já é um primeiro passo. E para quem tem dificuldade ou não consegue desenvolver esse hábito, existem terapias e auxílio profissional que certamente ajudarão a acessar o perdão.
*Por Luciana Farias, psiquiatra.
**Heloísa Capelas, especialista em inteligência emocional.