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» GERAÇÃO QUE NÃO SABE ESPERAR

A geração da pressa

Na geração da pressa, tudo chega rápido — e, justamente por isso, nada permanece. É hora de devolver à infância o valor do tempo e da conquista

Larissa Fonseca* Publicado em 15/10/2025, às 06h00

Menino entediado no sofá olha para brinquedo
Quando tudo vem fácil, o esforço perde o sentido e as conquistas não são valorizadas. - Foto: Canva Pro

A modernidade trouxe conveniência e rapidez, mas isso resultou em crianças e adolescentes cada vez mais entediados e emocionalmente frágeis, incapazes de lidar com frustrações e desafios da vida real.

O consumo imediato substituiu o amadurecimento do desejo, levando a uma geração que enfrenta dificuldades em encontrar satisfação e propósito, frequentemente se sentindo perdida e desmotivada.

É essencial que famílias e escolas promovam o valor do esforço e da conquista, ensinando as crianças a lidar com o desconforto e a valorizar o processo de aprendizado, em vez de buscar recompensas instantâneas.

Resumo gerado por IA

Vivemos em uma época em que tudo está ao alcance de um clique. A música desejada toca em segundos. A comida chega em minutos. O brinquedo, o jogo, o tênis novo… basta um pedido online e, em poucas horas ou dias, está na porta de casa. Menos espera, mais conforto, mais praticidade. Uma conquista da modernidade.

Mas há um efeito colateral silencioso, especialmente perceptível nas novas gerações de crianças e adolescentes, cada vez mais entediados, desmotivados e emocionalmente frágeis diante das situações da vida real.

O que antes era conquista, hoje é apenas consumo. O esforço foi substituído pela facilidade. O desejo, que antes amadurecia no tempo da espera, agora se satisfaz antes mesmo de se consolidar.

Com o fim da espera, veio o empobrecimento da experiência. O desenvolvimento saudável depende da superação de desafios em cada fase da vida. Quando uma criança enfrenta obstáculos, experimenta a frustração, tenta novamente e conquista algo com esforço, forma dentro de si uma base sólida de confiança, autonomia e senso de competência.

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Mas a infância contemporânea parece ter sido privada desse processo. Muitos pais, por amor, praticidade ou culpa, oferecem aos filhos uma vida quase sem “não”. Uma vida em que o desconforto é rapidamente resolvido e a recompensa chega antes do aprendizado. Essa pressa em satisfazer cada desejo produz uma espécie de “atrofia emocional”. Sem o tempo da espera, o prazer se esvazia. Sem o desafio, o sucesso perde o gosto. E sem o não, o sim deixa de ter valor.

O tédio, tão comum nas queixas de pais e professores, é, na verdade, um sintoma de uma mente que não sabe mais se ocupar com o próprio pensamento. Crianças que cresceram com estímulos constantes, telas sempre acesas e recompensas imediatas têm dificuldade em sustentar o silêncio, a pausa e a monotonia que antecedem a criatividade.

Estamos criando uma “sociedade do cansaço”, onde as pessoas estão saturadas de estímulos, mas carentes de sentido. Quanto mais rápido e fácil é o prazer, mais efêmero ele se torna e mais difícil fica sentir satisfação verdadeira.

E se, na infância, a pressa rouba o aprendizado, na adolescência ela rouba o sentido. Vivemos a geração do adolescente da pressa e do vazio. É cada vez mais comum encontrar jovens que dizem: “Ah, não sei o que quero fazer da vida”, “tanto faz”, “cansei”. Eles mudam de curso, de atividade, de sonho e desistem com a mesma rapidez com que começaram.

Acostumados a ver resultados imediatos nas redes sociais, a conquistar recompensas rápidas nos jogos e a receber dos pais tudo o que desejam sem grandes esperas, muitos adolescentes têm extrema dificuldade em lidar com a lentidão da vida real. Estudar um conteúdo difícil, praticar um instrumento, treinar para um esporte ou manter constância em qualquer projeto torna-se insuportável, porque o prazer demora. E o prazer que demora já não seduz.

Atividades mais desafiadoras, que exigem dedicação, pensamento, foco e atenção, são descartadas de imediato. Vivem, assim, um vazio melancólico. Nada é suficientemente bom, nada empolga por muito tempo, nada os move de forma profunda. A euforia inicial do novo se dissolve rapidamente e logo surge o próximo desejo, o próximo estímulo, a próxima busca, num ciclo infinito de satisfação e esvaziamento.

Essa incapacidade de esperar, de lidar com o esforço e com a frustração compromete diretamente o desenvolvimento da motivação e pode afetar significativamente o futuro. Sem a experiência do esforço e da conquista, o jovem não desenvolve autonomia nem senso de propósito. Passa a agir em função de recompensas externas, curtidas, elogios, prêmios, e não pelo prazer genuíno de aprender, criar ou evoluir.

E isso explica por que tantos adultos jovens hoje se sentem perdidos, ansiosos e infelizes, mesmo tendo acesso a tantas oportunidades. A felicidade exige profundidade. É preciso devolver à infância e à adolescência o valor do processo, do esforço e da conquista. Quando uma criança economiza a mesada por meses para comprar algo desejado, ou quando um adolescente enfrenta o desafio de estudar para uma prova difícil, eles não estão apenas aprendendo sobre dinheiro ou disciplina. Estão aprendendo sobre a vida. Estão formando repertório emocional para lidar com as situações do mundo real, sejam elas as frustrações e também as conquistas.

Nunca estivemos tão conectados e, paradoxalmente, tão desconectados de nós mesmos. É no intervalo entre o desejo e a realização que se forma o caráter, a resiliência e o verdadeiro senso de propósito. Porque, se tudo chega fácil, nada permanece. E sem o tempo da espera, a vida perde o sabor.

O desafio das famílias e das escolas é resgatar o prazer que nasce da conquista, o orgulho que vem do esforço e a alegria que não depende de estímulos externos.

Talvez um dos maiores presentes que possamos dar aos nossos filhos hoje não seja satisfazer todos os seus desejos, mas ensiná-los a desejar de verdade. A ressignificar o tédio, a lidar com o desconforto como parte do crescimento, a valorizar o caminho das conquistas. A descobrir o prazer de alcançar algo com esforço, de experimentar uma alegria genuína e duradoura, que permanece e que tem sentido. Ensinar que a felicidade não está em ter tudo, mas em reconhecer o valor do que se tem.

Ser pai, mãe ou educador hoje é remar contra a maré da pressa, do consumo e da superficialidade, cultivando valores que exigem tempo, presença e profundidade.

*Larissa Fonsecaé Pedagoga e NeuroPedagoga graduada pela USP, Pós Graduada em Psicopedagogia, Psicomotricidade e Educação Infantil. Autora do livro Dúvidas de Mãe.

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