Entre promessas e limites, a biópsia líquida desponta como uma janela para o futuro do diagnóstico e tratamento oncológico
Prof. Dr. José Carlos Sadalla* Publicado em 15/10/2025, às 06h00
A biópsia líquida, um exame não invasivo que analisa o DNA do tumor presente no sangue, promete detectar câncer anos antes dos sintomas, mas ainda enfrenta limitações na prática clínica atual.
Embora a tecnologia avance rapidamente, com pesquisas mostrando a identificação de proteínas associadas ao câncer até sete anos antes do diagnóstico convencional, a biópsia líquida no Brasil é restrita a casos específicos na rede privada e não substitui a biópsia de tecido para diagnósticos iniciais.
O alto custo e a sensibilidade limitada para tumores iniciais são desafios a serem superados, enquanto a medicina de precisão busca evitar o uso de marcadores tumorais tradicionais que podem levar a diagnósticos errôneos e procedimentos desnecessários.
Como médico especialista que lida diariamente com a oncologia, vejo com grande otimismo as notícias sobre novas tecnologias capazes de diagnosticar o câncer de forma mais rápida e menos invasiva. Uma das mais promissoras, que já gera muitas dúvidas e esperanças no consultório, é a chamada biópsia líquida.
A promessa é fascinante: uma simples coleta de sangue com o potencial de detectar a doença anos antes dos primeiros sintomas. Mas o que ela realmente significa para o paciente hoje? É fundamental separar o que já é realidade clínica do que ainda pertence ao futuro.
O que é e como funciona a biópsia líquida?
Diferente da biópsia tradicional, que exige a remoção de um fragmento de tecido do tumor, a biópsia líquida é um exame não invasivo. Nela, analisamos uma amostra de sangue em busca de "rastros" do câncer, procurando por frações do DNA do tumor que circulam na corrente sanguínea — o chamado ctDNA.
A grande revolução da biópsia líquida é a capacidade de nos dar um retrato molecular do tumor de uma forma muito menos agressiva para o paciente. Ao encontrar e analisar esse DNA, conseguimos identificar características genéticas do câncer, monitorar a resposta ao tratamento e até detectar uma possível volta da doença muito antes de ela aparecer em exames de imagem. É uma janela para o futuro do tratamento oncológico.
A tecnologia avança rapidamente, utilizando inteligência artificial para processar os dados e identificar padrões. Pesquisas recentes no Reino Unido, por exemplo, identificaram mais de 100 proteínas no sangue associadas ao surgimento de câncer até sete anos antes do diagnóstico convencional.
Apesar de todo o potencial, é importante entender as limitações atuais. Hoje, no Brasil, a biópsia líquida já é uma realidade na rede privada para indicações muito específicas, como monitorar a progressão de uma doença avançada ou avaliar a necessidade de tratamento complementar após uma cirurgia.
Contudo, ela ainda não substitui a biópsia de tecido para o diagnóstico inicial e não está disponível no SUS ou na maioria dos planos de saúde. O alto custo, entre R$ 6 mil e R$ 15 mil, e a sensibilidade ainda limitada para tumores muito iniciais são desafios que precisamos superar.
Faço também um alerta importante que sempre discuto com minhas pacientes: cuidado com a interpretação de exames mais antigos, como os marcadores tumorais (CA 125, CEA, etc.). É fundamental que os pacientes entendam que marcadores tumorais isoladamente não servem para diagnóstico de câncer, pois podem estar alterados por uma infinidade de condições benignas.
O exemplo clássico é o marcador CA 125, que pode subir em casos de endometriose, cistos no ovário ou até hepatite, sem ter nenhuma relação com câncer. Usá-los para rastreamento pode levar a pânico e procedimentos invasivos desnecessários. A medicina de precisão, como a biópsia líquida, busca justamente superar essa falta de especificidade.
O futuro é, sem dúvida, promissor. Acredito que em alguns anos essas inovações estarão mais próximas da nossa prática clínica diária. Mas, por enquanto, a mensagem principal é de otimismo com cautela. A ciência avança, mas o acompanhamento médico criterioso e o uso de métodos diagnósticos já validados continuam sendo nossos maiores aliados na luta contra o câncer.
*Prof. Dr. José Carlos Sadalla é especialista em Mastologia e Oncoginecologia, e fundador da Clínica Andrade & Sadalla, com foco em prevenção, diagnóstico preciso e tratamento humanizado.
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