Não se engane: uma negativa solta é insuficiente para edificar seu filho. É preciso saber dizer não
Ana Paula Yazbek* Publicado em 18/10/2022, às 07h00
Quando queremos muito alguma coisa, a última resposta que desejamos ouvir é um sonoro “Não”. Isso vai além da idade. Ora, um trabalhador pode receber uma negativa do chefe ao pedir um aumento, um candidato a um emprego pode ser recusado pela empresa que ele quer muito trabalhar, ou uma adolescente também pode ouvir um “Não” de seus pais quando pede para viajar com o namorado.
Ao longo da vida nem sempre teremos aquilo que desejamos. Por isso, considero de extrema importância discutir a importância de dizer “Não” às crianças como forma de fazê-las entrar em contato de que nem tudo ocorre como elas desejam, embora isso ainda confundido como não as escutar ou desampará-las. Colocar limites nunca é algo confortável, ainda mais para os/as pais/mães, por diferentes motivos: querem agradar os filhos a todo custo, acreditam que têm a obrigação de sempre deixar um sorriso nos seus rostos, querem que os/as filhos/as tenham mais do que eles tiveram naquela idade, temem parecerem autoritários e gerar repulsa nas crianças, entre outros motivos.
Mas, esse desconforto é necessário para mostrar às crianças a importância das regras de convivência social, além de gerar um grau de resiliência que vai acompanhá-la para sempre. Exatamente por isso, o ato de dizer “Não” deve vir acompanhado da explicação sobre os motivos que levam à essa negativa com o objetivo de conscientizar os filhos. A simples negativa jogada para a criança pode até funcionar de imediato, mas ela vai perder força e não vai contribuir para sua educação.
Vamos ver alguns exemplos: crianças adoram brincar com plantas e muitas vezes isso pode estragá-las. Melhor do que punir os/as filhos/as com castigos físicos, ou dizer apenas “Não faça isso!”, é uma oportunidade de ouro para explicar sobre o papel que essas plantas têm na nossa vida e sobre como elas devem ser bem tratadas. Ou então, ao invés de dar uma bronca vaga na filha que mexe na gaveta da cozinha, é importante explicar a ela que existem objetos perigosos que podem machucá-la.
Vou além: sou uma defensora da ideia que os/as pais/mães devem entender os motivos que levam as crianças a tomarem determinadas atitudes. Muitos/as pais/mães acreditam que quando o/a filho/a ou filha faz algo errado é apenas uma maneira de fazer birra. Se sentarem para entender as motivações da criança, vão ver que pode não ser isso, mas apenas um ato de brincadeira inocente. Voltando aos exemplos anteriores, mais importante do que dar um castigo ou uma bronca apenas pela atitude em si, os/as pais/mães devem entender: ora, por que ela arrancou a planta do vaso? E o que leva ela a mexer na gaveta da cozinha?
Muitas vezes essas atitudes são deixadas de lado diante da rotina cansativa e a falta de tempo em conversar. Afinal, dar uma bronca simples é muito mais rápido do que um diálogo. Mas tente escutar o que seu/a filho/a tem a dizer. Às vezes isso é mais do que suficiente para evitar que aquela atitude se repita. Um outro problema é quando a criança dá aquela resposta que os/as pais/mães tanto temem: “a mãe do meu amigo deixou”. Nesse caso, a conversa se faz ainda mais necessária para dizer que isso não pode justificar as atitudes da criança, já que a mãe do amigo não é a mãe dele.
Lembrem-se que filhos/as precisam de exemplos e crianças observam atentamente os padrões dos/as pais/mães. Elas vão criar consciência da importância dessas regras ao ouvirem as explicações. Isso ajuda a criança a entrar em contato com as consequências do que fazem e promove um grau de autonomia sobre como lidar com as interdições necessárias ao convívio social.
Com o perdão do trocadilho, dizer “Não” é sim um ato de educação, com a condição de que ele sirva para ensinar a criança sobre seu significado. Isso impõe o tão necessário limite que qualquer ser humano, do mais rico ou mais pobre, deve ter para viver em sociedade. Ao receber uma negativa dos/as pais/mães de maneira construtiva, a criança desenvolve sua moralidade, cria resiliência para enfrentar adversidades e frustrações ao longo da vida, além de se conscientizar sobre regras essenciais.
*Ana Paula Yazbeké pedagoga, formada pela Faculdade de Educação da USP, com especialização em Educação de Crianças de zero a três anos pelo Instituto Singularidades, com mestrado em Educação pela Faculdade de Educação da USP. É Diretora Pedagógica do espaço ekoa, casada com Marcos Mourão com quem tem dois filhos, Marina e Pedro.