A luta por espaços para pessoas com deficiência, como mostra o repórter Raphael Preto, ao contar o que aconteceu com ele. Quantos cabem?
Raphael Preto Pereira* Publicado em 07/04/2023, às 06h00
Voltava da aula e estava esperando um ônibus. Uma pequena fila e todos dispostos a abrir espaço para que eu, cadeirante, pudesse acessar o transporte. Um minuto depois, um moço, sem ser mal-educado, mas que ostentava uma cara que oscilava entre o stress da vida diária e a tentativa de tentar ajudar o outro, mesmo sem saber exatamente o que dizer, ou como falar, me disse: “só cabe um”.
O rapaz se referia ao espaço exclusivo do ônibus, que é destinado para pessoas com deficiência que se locomovem com a cadeira de rodas. É um quadrado, com cinto para travar o meio de locomoção.
Tem apenas um em cada busão. E naquele dia, naquela hora, o espaço já estava ocupado por outra pessoa que fazia jus a ele.
Um trabalhador, um cara que talvez estivesse voltando de um médico e que, eventualmente, por ter mais dificuldade que eu, pode estar “precisando mais” daquele lugar.
Mas também, nada impedia que fosse um cara voltando da casa da namorada e que poderia, portanto, esperar um pouquinho mais por um lugarzinho no transporte coletivo.
Tudo enrolação. Conjectura da minha cabeça, já que nem cheguei a entrar no ônibus. Esperei o próximo. Não tinha muito o que fazer.
Muita gente é obrigada a deixar o trem da vida passar por não encontrar lugar. E quando isso acontece não tem outra opção além de esperar o próximo. E isso não acontece só quando a gente precisa ir ou voltar para casa.
A dificuldade de acesso ao transporte público só serve de pré-estreia ou repetição exagerada para eventos que vão no fim das contas salpicar a nossa vida.
Não acho que o cara que me deu o alerta tenha tido a intenção de me fazer troça ou me dar uma bronca. Mas, mesmo assim o “só cabe um” me deu uma pequena inquietação, explico:
“Só cabe um”? Meu caro, obrigado pelo aviso, mas não sei você sabe: há milhões de pessoas com deficiência em São Paulo. E estamos vivendo há anos num horroroso jogo de "menos ruim", que fica sempre balanceado entre o “não vem ninguém aqui” o e o “só cabe um”. E, ainda, o “não dá para você vir aqui”.
E quem ousar reclamar de estar sozinho em um espaço pode se preparar para ouvir meia hora de um lenga-lenga sobre os avanços, gente basicamente dizendo que “antigamente era pior” e que agora “melhorou”.
Não podemos reclamar, sob pena de perder o que conquistamos. E, ao que parece, também não podemos pedir melhorias, por estarmos querendo demais. Me questiono se alguma outra população possui uma restrição tão aguda de possibilidades de acesso como “um lugar só”.
E precisa se contentar com isso. Já que antigamente não tinha nenhum.
*Raphael Preto Pereira é jornalista e colunista de inclusão e educação