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Neurodiversidade, inclusão e futuro: o desafio de construir uma escola e uma sociedade para todos

Uma sociedade para todos é uma construção coletiva e exige o reconhecimento de que a diferença faz parte da humanidade

Leide Maia* Publicado em 01/11/2025, às 06h00

Quatro crianças, uma delas portadora de síndrome de Down, brincam com tintas juntas
A inclusão se sustenta na compreensão de que a deficiência e a diferença são parte da diversidade humana: variações, e não falhas. - Foto: Canva Pro

Estudantes com deficiência enfrentam exclusão na educação, com 63,1% não completando o ensino fundamental, evidenciando a falta de acesso a uma educação inclusiva e de qualidade, conforme a Lei Brasileira de Inclusão e os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da ONU.

Barreiras físicas, pedagógicas e atitudinais dificultam o aprendizado de crianças com condições como autismo e dislexia, enquanto professores carecem de formação e recursos adequados para atender a diversidade nas salas de aula.

Iniciativas como a MAIA, que utiliza tecnologia para personalizar o aprendizado, surgem como soluções, mas a inclusão requer um compromisso coletivo e uma mudança na linguagem e na percepção sobre a diversidade humana nas escolas.

Resumo gerado por IA

Em um tempo de tantas transformações na educação, a invisibilidade de estudantes com diferentes formas de aprender e pensar ainda é uma das faces mais persistentes da exclusão.

Os números mostram o tamanho do problema. De acordo com o Censo Demográfico de 2022 (IBGE), 63,1% das pessoas com deficiência de 25 anos ou mais não completaram o ensino fundamental, e apenas 7,4% chegaram ao ensino superior. Esses dados evidenciam o quanto o acesso à escola ainda não se traduz em aprendizagem, pertencimento e educação para a construção da autonomia — princípios centrais da Lei Brasileira de Inclusão (2015) e do Objetivo de Desenvolvimento Sustentável 4 da ONU, que refere-se à Educação de Qualidade e Inclusiva.

Por trás das estatísticas estão histórias de crianças e adolescentes que enfrentam barreiras diárias — físicas, pedagógicas, comunicacionais e, sobretudo, atitudinais. Estudantes com autismo, TDAH, dislexia, Síndrome de Down, deficiência intelectual e outras condições cognitivas continuam a lidar com currículos engessados, avaliações padronizadas e pouca ou nenhuma acessibilidade pedagógica. As escolas, muitas vezes, não dispõem de recursos formativos e estruturais que lhes permitam responder à diversidade humana como regra, e não como exceção.

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Os professores, por sua vez, vivem muitas vezes a solidão de quem quer incluir, mas não encontra apoio e recursos para fazê-lo. Entre currículos padronizados e turmas heterogêneas, enfrentam o desafio de ensinar sem a formação adequada para lidar com a diversidade.

A inclusão, porém, não é uma tarefa individual nem um dom de poucos: é uma construção coletiva que começa pela formação continuada e pelo compromisso institucional da escola. Quando a gestão garante tempo, espaço e suporte para o aprendizado do próprio educador, o professor deixa de ser um herói isolado e passa a fazer parte de uma rede que aprende junto. É nesse movimento que a inclusão se torna prática real — quando quem ensina também se sente acolhido, ouvido e capaz de transformar.

Nesse contexto, novas soluções têm surgido como aliadas importantes. A tecnologia, quando usada com propósito pedagógico e social, pode ser uma ponte entre a diferença e o aprendizado. Plataformas como a MAIA – Método Acessível para Inclusão e Aprendizagem, nascida da experiência do Espaço Mosaico, demonstram que a inteligência artificial pode servir à inclusão, sem abrir mão de um trabalho de curadoria humana, desenvolvido por professores de diferentes áreas. A partir de um ecossistema que conecta escolas, docentes, famílias e equipes de apoio, o sistema identifica o perfil pedagógico do aluno e sugere conteúdos e estratégias alinhados à BNCC (Base Nacional Comum Curricular), adaptados a diferentes níveis de complexidade e estilos de aprendizagem — sempre com linguagem simples e acessível.

Construir uma sociedade verdadeiramente inclusiva exige reconhecer que a diferença faz parte da humanidade. Mais do que classificar pessoas como “neurotípicas” ou “neurodivergentes”, é preciso reconhecer e acolher a pluralidade de modos de aprender, comunicar e existir. É necessário também refletir sobre as terminologias e evitar trocar um rótulo por outro. A forma como nomeamos revela o modo como pensamos. As palavras mudam com a sociedade, e termos antes aceitos podem se tornar inadequados por reforçar visões ultrapassadas. Mais do que linguagem, trata-se de ética: cada palavra carrega valores e pode tanto perpetuar exclusões quanto abrir caminhos para novas formas de compreender e incluir.

A inclusão não se sustenta em dicotomias — normal/anormal, típico/atípico —, mas na compreensão de que a deficiência e a diferença são parte da diversidade humana: variações, e não falhas. Novos termos surgirão, e que sejam melhores — capazes de refletir o modelo social da deficiência, que propõe justamente essa virada: o problema não está nas pessoas, mas nas barreiras que a sociedade cria. As palavras importam, mas só têm sentido se vierem acompanhadas de práticas e valores que reconheçam, de fato, todas as formas de existência e aprendizagem.

A escola do futuro será inclusiva não por reunir pessoas diferentes, mas por eliminar barreiras e ampliar possibilidades — garantindo a cada estudante o direito de participar, compreender e transformar o mundo à sua maneira.

*Leide Maia é jornalista, historiadora e fundadora da MAIA – Método Acessível para Inclusão e Aprendizagem.

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