Mariana Kotscho
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Num mundo inclusivo, pessoas com deficiência vão às compras sozinhas

Pessoas com deficiência têm o direito poder realizar de forma fácil as tarefas mais simples do dia a dia, o que é possível a partir de práticas inclusivas

Sonny Pólito* e Rodrigo Piris** Publicado em 03/09/2022, às 06h00

Possuir práticas inclusivas é uma obrigação da sociedade
Possuir práticas inclusivas é uma obrigação da sociedade

Sempre que vamos ao supermercado, a uma loja de roupas, calçados e afins, quando encontramos alguma pessoa com deficiência é comum vê-la acompanhada, seja de um familiar, um cuidador. E isso acontece não somente por faltar acessibilidade nas ruas, calçadas e entrada de lojas, mas porque o varejo ainda não está preparado para atender as pessoas com deficiência quando elas estão sozinhas.

A independência de uma pessoa com deficiência vai além da possibilidade de encontrar rampas, piso tátil, caixas de atendimento prioritário. A inclusão requer conhecimento, requer mesmo tratamento e capacitação para que o comportamento das pessoas seja respeitoso e dedicado ao público PCD.

Sabemos que muitas pessoas com deficiência deixam de fazer essas atividades cotidianas justamente pela dificuldade que encontram. Quem não gosta de ir ao shopping e comprar roupas novas? Para o público PCD, esse passeio com direito a comprinhas nem sempre é prazeroso.

Em uma pesquisa realizada no ano passado pela startup Inclue - que oferece treinamento para lojas e agendamento de atendimento para pessoas com deficiência e mais de 60 anos -  ficou apontado que 67,2% dos entrevistados indicaram falta de capacitação e acessibilidade no varejo. Do total, outros 26,7% estiveram satisfeitos com os atendimentos recebidos e 6% não opinaram. O levantamento foi realizado com 116 pessoas com algum tipo de deficiência ou acompanhantes que sinalizaram a experiência de consumo em estabelecimentos comerciais como lojas de material de construção, vestuário, calçados, supermercados, joalherias, lojas de shopping, de eletrodomésticos, restaurantes, perfumarias, óticas, pizzaria.

E as experiências relatadas foram assustadoras. Comentários com exemplos claros de capacitismo. Podemos citar alguns deles: “O vendedor foi até atencioso, mas me questionou por que iria comprar uma TV grande se não enxergo”.

Ou ainda: “O vendedor não falou comigo, só falou com o meu acompanhante”.  “O garçom deixou a refeição longe do meu alcance. Estava nitidamente sem jeito de lidar comigo. Parecia que eu era de outro planeta”. 

Com experiência suficiente e sentindo na pele toda a dificuldade encontrada pelas pessoas com deficiência, fundamos a Inclue.

O objetivo da startup é muito claro. É mais que dar voz as pessoas com deficiência ou algum tipo de necessidade específica. É permitir que situações constrangedoras como as relatadas passem a ocorrer cada vez menos até não mais existir esse tipo de comportamento.

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Está previsto na nossa Constituição: somos todos iguais perante a lei - já se baseando que isso deve estender não só em questões jurídicas, mas também social. Temos os mesmos direitos e deveres. Mas o pertencimento e o acolhimento nem sempre seguem o que rege nossa lei suprema brasileira. Ainda há em nossa volta uma bolha que se preenche apenas com os fatores vistos por muitos como o "normal" excluindo todos e tudo aquilo que esteja fora dos "padrões" observados desde os primórdios. 

Essa tendência comportamental de desfavorecer determinados grupos de pessoas, de priorizar outros tem sido reduzida, combatida, no entanto, há muito a evoluir. Quando falamos em pessoas com deficiência, podemos elencar aqui uma série de situações que exemplificam. E proporcionar condições igualitárias tem sido o grande desafio e, em boa parte dele, cumprido não pelo poder público, mas pelo terceiro setor e o privado. Trabalhar a inclusão social parte muito mais daqueles que possuem uma pessoa com deficiência na família ou que convive com alguma necessidade específica. 

São essas pessoas, que vivem na pele todas as dificuldades enfrentadas que mais batalham pelo cumprimento dos seus direitos e pela oportunidade de serem tratados como iguais. E é por isso, que atualmente vemos tantas marcas, empresas engajadas em quebrar esse paradigma. Uma marca de roupas, por exemplo, teve uma coleção lançada voltada exclusivamente para pessoas que usam cadeiras de rodas. Peças que facilitam as pessoas que não possuem os movimentos dos membros inferiores a se vestirem. Com detalhes nas costas para que o tecido se encaixe perfeitamente e não fique enroscado na cadeira. Um trabalho idealizado por um empresário que usa uma cadeira de rodas.

Fazer compras em um supermercado cheio de outras pessoas, com barulhos, uso de alto falante pode ser comum para pessoas típicas. Mas para uma pessoa com o Transtorno do Espectro Autista (TEA), o turbilhão de informação do ambiente é estressante.

Para uma pessoa com deficiência visual é praticamente procurar uma agulha no palheiro.   A startup treina os profissionais do varejo sobre como realizar um atendimento inclusivo para as pessoas com deficiência e criamos  um aplicativo para que as lojas e os clientes possam agendar o atendimento e fazer suas compras de forma independente.  E temos tido um feedback muito positivo pelos usuários, que preferem muitas vezes ir a lojas muito mais distantes de suas casas apenas porque sabem que lá terão um atendimento facilitado, o que já deveria existir em todos os locais.

Enquanto ainda é mínima a porcentagem de pessoas com deficiência no setor público, enquanto ainda é ínfima a escolha de profissionais com deficiência em grandes empresas ou setores, as pessoas com deficiência mostram que até mesmo com essas situações, com essa exclusão, elas são capazes de lidar (não deveria ter de provar), e fazem a transformação por conta própria.

*Sonny Pólito – Pessoa com deficiência visual – sócio fundador da Inclue. É formado em Comunicação Social pela FAAP. Integrante do Movimento Bengala Verde

**Rodrigo Piris – Diagnosticado com o Transtorno do Espectro Autista – sócio fundador da Inclue. Foi o fundador do Movimento Queremos Ética e é estudante  do curso de Gestão de Tecnologia na FIAP.