A masturbação feminina ainda é tratada como tabu, principalmente na gestação. É necessário desmistificar isso
Marília Ponte* Publicado em 13/11/2022, às 06h00
A masturbação feminina sempre foi um tabu. Ouvimos desde crianças: feche as pernas, não coloque a mão aí! Mal sabemos a diferença entre vulva e vagina (vagina é o canal interno e vulva a parte externa do genital) e iniciamos a vida sexual muitas vezes sem entender nosso próprio corpo e desejos.
O termo "vagina" vem do latim e significa bainha ou suporte para conter uma espada. E, se carregamos essa função de sermos preenchidas como se sozinha não nos bastássemos, já identificamos logo aí o tabu da masturbação. Com o tempo piora, já que mulheres maduras e casadas, não “precisariam”se masturbar. Afinal, diz a lenda, que se tocar é coisa de gente jovem ou solitária ou ainda, que a pessoa só se masturba quando sua parceria não é suficiente para lhe dar prazer.
Mas, até para o sexo a dois a masturbação é importante: para o conhecimento do seu corpo, dos locais sensíveis ao toque, seu ou do(a) parceiro(a). E, essa estimulação de nós mesmas, nos ensina em cada fase de nossa vida e do nosso corpo.
Infelizmente,o que mostraa pesquisa Mosaico 2.0 - que avalia o comportamento afetivo/sexual brasileiro - é que, cerca de, 40% das mulheres brasileiras não se masturba e, uma em cada cinco, nunca sequer experimentou a prática.
Uma pena saber disso! Eu sou uma mulher de 28 anos, grávida de gêmeos, que sempre tive o hábito de me estimular e usar a masturbação como uma prática saudável. Acredito que o direito à saúde plena, autonomia e liberdade tenha que deixar de ser privilégio de poucas! Por isso, falar sobre esse assunto e dar alguns conselhos que funcionaram para mim - como mulher, cis-gênero, heterossexual, gestante, educadora sexual e fundadora de uma femtech – é uma forma de levar o privilégio para muitas.
Aliás, gosto muito desse trecho do livro ‘A Maternidade e o encontro com a própria sombra', de Laura Gutman, sobre a sexualidade durante a gravidez, que diz o seguinte: "É, acima de tudo, uma experiência mística, talvez o fato mais importante da vida sexual das mulheres. E por se tratar de um fato sexual temos o direito de vivê-lo na intimidade e com profundo respeito à pessoa como ser único, com sua história, suas necessidades e seus desejos pessoais”.
A gestação é uma fase muito complexa e você sente tudo: a parte boa e a parte que é pouco falada. Sentimos nosso corpo mudando e muitos incômodos novos como enjoos, náuseas, dor nas costas, ganho de peso. Algumas mulheres passam os três primeiros meses sentindo-se mal, sem libido. Algumas até os nove meses.
Mas, essas são as exceções! Por isso, nos intervalos em que está disposta porque não se permitir sentir prazer e satisfação? Além de ajudar a conhecer seu novo corpo e novas sensações, a masturbação satisfaz os desejos das grávidas que não querem ou não sentem conforto em fazer sexo com penetração, por não encontrar uma boa posição, devido à barriga, por exemplo.
Sem pressão. Não "temos que" nada… só se desejarmos.
O desejo pode ficar mais cíclico e a única certeza é de que vai mudar a toda hora. Pode ser que, no primeiro trimestre, por exemplo, a gestante não tenha disposição e energia para nada. E, se respeitar também é importante. Assim como tem mulheres que tem um aumento na libido e querem desfrutar da intimidade prazerosa sozinha ou acompanhada, conforme seus momentos.
A primeira vez que eu senti os meus filhos mexendo foi após um orgasmo e a sensação foi um misto de felicidade, susto, estranhamento e culpa. Senti como se a barriga ficasse mais rígida, pontuda e menos arredondada por poucos minutos e, em seguida, eles mexeram sutilmente, como se tivessem se reacomodando. Tudo muito normal, já que o útero contrai quando temos orgasmos.
A chance de conhecer o seu corpo como ele é hoje. Amanhã já estará diferente…
O corpo vive uma “rave” de hormônios. Tudo muda! Inclusive a vulva! E é mágico ver como o corpo se adapta como testemunha de toda transformação que vivemos. Notamos diferença até na sensibilidade podendo ficar mais delicada ao toque e consequentemente atingindo o clímax com menos intensidade e mais rapidamente.
A masturbação também traz benefícios para a sua saúde, pois ajuda a aliviar a tensão e o tesão, promove bem-estar, boas noites de sono e é um autocuidado. Durante a gravidez os hormônios ocitocina e dopamina aumentam e favorecem o bem-estar. E, ao serem liberados, beneficiam também o bebê. Ou seja, quando a mulher sente-se bem e tranquila, passa isso para o filho.
Eu levo os meus aliados para a cama.
Eu trabalho desenvolvendo vibradores e lubrificantes e sei o quanto a experiência pode ser totalmente diferente quando estamos acompanhadas de boas ferramentas. Vibradores e lubrificantes naturais à base de água são ótimos aliados, principalmente quando a barriga estiver maior. O lubrificante é um adicional ao deslizamento que deixa o momento mais prazeroso, aumentando a sensibilidade ao toque, enquanto o vibrador inspira diversos usos na relação de cada mulher com o próprio prazer.
Você não precisa necessariamente performar uma sensualidade se não estiver sentindo isso…
Você pode se sentir a grávida mais sexy do mundo, ou não. Eu, por exemplo, por mais elogios que receba, me sinto poderosa e gigante (literalmente) mas, quase nunca, linda. Por isso, vejo na masturbação uma prática de autoamor, já que sozinha não é preciso se sentir sexy, nem estar com a melhor lingerie e nem com a depilação em dia. E, no final, estará feliz, satisfeita e amada.
Caso você tenha uma gestação de alto risco, alguma intercorrência, ou medos e dúvidas, converse com seus médicos para adaptar a sua rotina sexual e de cuidado íntimo. Não deixe de aproveitar, em todos os sentidos, essa fase da vidaúnica.
*Marília Ponte é COO da Feel & Lilit, especialista em Educação Sexual e fundadora da Lilit.