É importante diagnosticar uma crianças com altas habilidades para ajudá-la a se desenvolver da melhor forma possível
Guilherme de Abreu* Publicado em 18/01/2025, às 06h00
Quando pensamos em crianças com altas habilidades, muitas vezes imaginamos pequenos gênios resolvendo complexas equações matemáticas ou tocando sonatas de Beethoven com maestria. No entanto, a realidade dessas crianças é muito mais ampla e fascinante. Este artigo convida você a explorar o universo dessas mentes incríveis, compreendendo os desafios que enfrentam e, principalmente, como podemos apoiar seu desenvolvimento para que alcancem todo o seu potencial.
A definição de uma pessoa com altas habilidades é um tema controverso e evoluiu ao longo dos anos. Inicialmente, considerava-se que uma pessoa com quociente de inteligência (QI) acima de 99% em relação à população geral teria altas habilidades. Contudo, a relação entre um QI elevado e a produtividade ou contribuição para a sociedade não é clara. Mais importante do que o QI é o desenvolvimento de uma personalidade marcada pela criatividade e perseverança. A visão mais moderna reconhece que uma pessoa com altas habilidades demonstra desempenho excepcional em um ou mais domínios de desenvolvimento, seja cognitivo, musical ou criativo, entre outros.
Diversos testes de QI, criados a partir do início do século passado e focados em raciocínio lógico, podem ser aplicados aos 2 ou 3 anos de idade, quando a linguagem já está razoavelmente desenvolvida. Estes testes visam atribuir não apenas um número, mas um percentil a aspectos de inteligência. Existem pessoas com QI elevado ao redor do mundo, inclusive no Brasil, que promovem um espírito de comunidade e o desenvolvimento de habilidades e ideias.
Muitos pais percebem aptidões precoces em seus filhos. Estudos indicam que o desenvolvimento precoce da leitura está frequentemente associado ao surgimento de altas habilidades. Algumas crianças mostram precocidade em várias áreas do desenvolvimento, como andar, falar ou interagir. No entanto, não há garantia de que esse ritmo acelerado de desenvolvimento visto na infância se mantenha nos anos seguintes.
O aprendizado, do ponto de vista cerebral, é resultado do aumento das conexões entre neurônios. Quanto mais interconectadas as redes neuronais, maior é a capacidade de uma pessoa para entender, aprender e conectar ideias. Desde o início da vida, o cérebro é ávido por informações e, ao longo do tempo, torna-se um mapa de nossas experiências. Ou seja, o funcionamento cerebral de uma criança, independentementede ter ou não altas habilidades, está diretamente relacionado aos estímulos que recebe. Esse processo de transformação cerebral é conhecido como neuroplasticidade, que ocorre ao longo de toda a vida, mas é mais intenso na infância.
Um aspecto muito interessante da neuroplasticidade é que ela é influenciada por neuromoduladores, que são substâncias químicas liberadas pelo cérebro cuja função principal é dizer quais áreas devem estar ativas e quais não. Isso significa que a capacidade de aprendizado está intimamente ligada ao estado emocional e ao modo como percebemos o mundo. Para as crianças, um ambiente seguro é fundamental para o desenvolvimento de habilidades, e o processo de aprendizado passa necessariamente pelo desenvolvimento emocional.
Crianças de altas habilidades frequentemente enfrentam dificuldades de interação social. Isso ocorre porque muitas vezes não se sentem completamente ligadas às crianças de mesma faixa etária. Por exemplo, elas podem não se sentir engajadas em atividades projetadas para seus colegas ou amigos e, ao se envolverem em atividades mais avançadas, precisam interagir com crianças mais velhas, sem ter habilidades comportamentais apropriadas para essas interações.
Algumas características são mais frequentes entre as crianças de altas habilidades, tais como:
Crianças com altas habilidades são frequentemente mais reconhecidas no ambiente escolar ou familiar que em consultórios médicos. Embora existam ferramentas para a identificação em consultas pediátricas voltadas para o desenvolvimento, sua aplicação demanda tempo e experiência. A identificação correta é crucial para um processo educacional adequado. Lidar com crianças de altas habilidades requer uma abordagem correta, que considere o contextofamiliar e escolar e no relacionamento da criança com pais, educadores, colegas da mesma idade e irmãos.
Apesar de as escolas estarem familiarizadas com programas específicos para crianças com necessidades especiais e transtornos do desenvolvimento, há pouca ênfase em projetosvoltados para crianças com altas habilidades. Estratégias como salas de aula separadas ou programas exclusivos devem ser analisadas com cautela para evitar segregação ou rótulo de “diferentes”.
No final das contas, a visão sobre crianças com altas habilidades não difere daquela que devemos ter para todas as crianças: cada uma precisa ter acesso ao que é necessário para alcançar todo o seu potencial. Isso inclui um ambiente que favoreça o desenvolvimento emocional pleno e a aplicação de metodologias educacionais apropriadas que permitam que suas habilidades floresçam. Ao reconhecer e nutrir as capacidades únicas dessas crianças, garantimos que elas não apenas atinjam suas metas pessoais, mas também contribuam de forma significativa para a sociedade. O desafio é criar um sistema de apoio que abra caminho para que o talento excepcional se desenvolva em harmonia com o bem-estar emocional e social, garantindo que toda criança, independentemente de suas habilidades, possa crescer de forma plena e segura.
*Guilherme de Abreu é médico, pediatra e neonatologista, graduado pela Universidade de São Paulo. Trago comigo mais de quinze anos de experiência clínica e em pesquisa, tendo sido treinado em instituições renomadas no Brasil e no exterior. Atua principalmente no cuidado pediátrico e de crianças com transtornos do desenvolvimento, com especialização na área de Desenvolvimento & Comportanneto Infantil em Cleveland - EUA.