Mariana Kotscho
Busca
» ADOÇÃO

Vocês adotaram porque não podem ter filhos?

Entenda como perguntas sobre adoção refletem preconceitos que prejudicam as famílias que escolheram adotar os filhos

Antoune Nakkhle* Publicado em 05/03/2025, às 09h00

Gabi aos 2 aninhos
Gabi aos 2 aninhos

O que significa as pessoas perguntarem com curiosidade a um casal que opta pela adoção o motivo pelo qual escolheram essa modalidade de paternidade? Significa que fazemos isso porque aprendemos com nossos pais e com a sociedade que o natural é ter filhos biológicos, certo? Errado. Errado especialmente para os dias em que vivemos.

Direto ao assunto: independente de ser mais ou menos informada, qualquer pessoa sabe que nem sempre devemos falar tudo o que se passa pela nossa cabeça por uma simples questão de bom senso. Educação.

Quando alguém pergunta qual dos dois não pode ter filhos (e por isso adotou) a pessoa está tratando a adoção como algo excepcional ou como uma segunda opção de paternidade.

Esse tipo de fala machuca. Às vezes dá raiva

Eu sempre tive vontade de ter filho por adoção e filho biológico. Achava interessantes as duas maneiras de exercer a paternidade.

Quando eu era casado com minha companheira com quem tive a Gabriela, a decisão de adotar veio como um bálsamo que aplacou a dor do aborto espontâneo que enfrentamos por duas vezes. Por outro lado, precisei ser muito mais forte do que imaginava, pois a maioria das pessoas próximas a mim não me apoiou, não recebeu a notícia com a mesma “festa” que as pessoas fazem quando ouvem um casal contar que está grávido.

Nós estávamos grávidos e nossa filha foi fruto do nosso amor. Percebi que eu precisava dessa “festa” que comumente acontece, de uma recepção esfuziante.

As reações eram inusitadas; até minha masculinidade foi questionada. Às vezes eu pensava: será que eles têm razão em não dar força, em focar nos perigos que dizem que a adoção pode trazer? Será que estou procurando problemas para minha vida?

Comecei a perder o parâmetro.

Eram falas de amor. Sem empatia. Sem cumplicidade. Falas de amor ou de vaidade? Falas destrutivas.

Escolher a adoção para me tornar pai foi uma jornada pra lá de solitária no meu coração. Cada vez que saíamos das entrevistas mensais no fórum, eu chegava em casa muito pensativo. Até aí tudo bem, esse é o momento de refletir mesmo. Mas eu me perguntava: o que eu faço com essa necessidade que eu tenho de trocar ideias com meus amigos próximos, com minha família, de contar como foi a conversa deste mês no fórum, minhas descobertas, se eles nunca me ouvem com o coração? Nunca se colocam no meu lugar. Nunca me perguntam como está indo nosso processo de adoção.

Outros amigos ou parentes não diziam nada, apenas sorriam, mas muitas vezes eu notava que, embora não dissessem nada, não vibravam junto com a gente.

É por isso que é tão inadequada a pergunta do início deste texto. Porque é uma forma de dizer que a adoção é uma segunda opção e, pior, não é validada pelas pessoas.

Um tempo depois de termos adotado Gabi, algumas vezes eu tinha a impressão de que as pessoas me testavam a fim de saber se eu estava mesmo feliz tendo uma filha que não é biológica e, no nosso caso, uma filha preta. Eu, aparentemente, não me importava; primeiro porque eu estava muito feliz e segundo porque eu percebia que as pessoas não falavam por mal. Mas eu me irritava, ficava chateado. É pergunta desnecessária.

Veja também

Quem se importa?

Ainda hoje, as pessoas não se intimidam, qualquer um acha que pode perguntar por que motivo não tivemos filho biológico. Enquanto escrevo este artigo pensei que “o pessoal das perguntas” também podia falar:

— Que legal sua escolha pela adoção, papai! Parabéns!

ou:

— Você vai adorar, ser pai é um barato!

ou ainda:

— Dá um trabalho sem fim, mas a vida muda para melhor quando você se torna pai! Parabéns por escolher a paternidade.

Um casal apresentar dificuldade para engravidar e por isso resolver adotar acontece, mas muitas vezes este não é o único motivo. São muitas as razões que levam uma pessoa a adotar um filho.

Por isso, quando eu me deparo com uma pessoa grosseira que precisa saber se o estéril do casal era eu ou minha esposa, eu sinto muita raiva. Da pessoa que perguntou e de mim, pois me lembro da minha essência machista e racista que permitiu que eu, aos 20 anos de idade, fizesse essas perguntas aos casais que pretendiam adotar. Isso mesmo. Eu tinha essa petulância e perguntava.

É difícil, mas hoje eu reajo imediatamente quando ouço esses despropósitos. Vez ou outra eu não consigo, verdade. É dolorido. Tudo bem, não sou super-homem. Já entendi.

Como essas situações acontecem de repente e nos lugares mais improváveis, nem sempre estou com paciência – às vezes me incomodo mais, outras, menos. Essas perguntas carregam inúmeras camadas de preconceito. Rebaixam a adoção, desqualificam quem adota e quem é adotado e demonstram um imenso desconhecimento dos diversos aspectos da parentalidade, sobretudo os afetivos.

Espero que minha insistência em deixar explícito que adoção é uma modalidade de paternidade deliciosa, que tem suas características próprias, colabore para diminuir o preconceito contra a adoção. Afinal, cada filho é único. Ou não?

*Antoune Nakkhle é jornalista, assessor de comunicação e imagem e pai da Gabriela, de 20 anos. Um pai branco de filha preta.

Se quiser falar com o autor: paibrancofilhapreta@gmail.com

*com edição de Marina Yazbek Dias Peres

Quer incentivar este jornalismo sério e independente? Você pode patrocinar esta coluna ou o site como um todo. Escreva para contato@marianakotscho.com.br