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Black Friday expõe falta de educação financeira

Aprenda a diferenciar entre necessidade e desejo para evitar gastos desnecessários durante as promoções da Black Friday

Lucia Stradiotti* Publicado em 28/11/2025, às 06h00

Mulher segura várias sacolas de compras
Lucia Stradiotti: "A maioria das pessoas compra para aliviar tensões, pertencer a um grupo ou compensar frustrações" - Foto: Divulgação

A Black Friday, que se tornou um dos maiores eventos de consumo no Brasil, reflete a dificuldade das pessoas em lidar com dinheiro, revelando comportamentos impulsivos e emocionais que indicam a falta de educação financeira adequada.

Embora 72% dos consumidores afirmem se planejar financeiramente para a data, muitos acabam estourando o limite do cartão ou se endividando, evidenciando um abismo entre a teoria e a prática nas decisões de compra.

Para transformar a Black Friday em uma oportunidade vantajosa, é essencial que os consumidores adotem uma abordagem intencional, estabelecendo limites claros e priorizando necessidades reais, em vez de ceder a impulsos momentâneos.

Resumo gerado por IA

A Black Friday, que começou como uma data pontual de grandes descontos, se tornou um dos maiores eventos de apelos de consumo do ano, movimentando milhões de brasileiros. Mas, antes de ser sobre consumo, ela é um retrato muito claro da nossa relação com o dinheiro. Ou melhor: da nossa dificuldade em lidar com o dinheiro. Não falo sobre saber fazer contas ou de dominar planilhas, mas sim sobre compreender valor, necessidade, prioridade e propósito; diferenciar desejo de impulso, oportunidade de armadilha, prazer de anestesia emocional. Falo de comportamento. Um comportamento que revela o quanto ainda reagimos ao dinheiro com emoção, impulsividade e culpa, e o quanto nos falta uma educação financeira que vá além dos números.

Mesmo aqueles que afirmam se planejarem financeiramente para a Black Friday (72%), muitos  já estouraram o limite do cartão na mesma data em oportunidades anteriores (23%), além de terem se endividado para “aproveitar as promoções” (12%) (dados de pesquisa recente do SERASA). Acrescente a isso o fato de que a lógica do parcelamento está tão enraizada em nosso país que muitos consumidores não pensam no valor total da compra, apenas na parcela “que cabe no bolso”. Esse hábito cria uma sensação ilusória de controle, mas costuma cobrar seu preço meses depois.

Esse contraste revela que, entre o discurso e a prática, existe um abismo emocional. A maioria das pessoas compra para aliviar tensões, pertencer a um grupo ou compensar frustrações acumuladas ao longo do ano. A sensação de urgência — o famoso FOMO (medo de perder) — costuma falar mais alto do que a razão. Confundimos desconto com economia. Comprar barato aquilo que não precisa não é economia; é gasto desnecessário. É assim que o consumidor se perde.

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O papel das redes sociais amplifica esse fenômeno. Se antes a Black Friday era apenas sobre preço, hoje ela se transformou em um espetáculo emocional. Produtos deixam de ser apenas produtos e passam a representar estilo de vida, identidade e validação. Influenciadores apresentam o consumo como extensão da autoestima e, muitas vezes, a compra se torna uma tentativa de alcançar um padrão idealizado.

O consumidor não busca apenas o item, busca a sensação de estar mais próximo daquela versão “melhorada” de si mesmo. Mas esse efeito é passageiro. 

Por trás desse comportamento, existem mecanismos psicológicos bem conhecidos. A Black Friday escancara a busca por recompensa após um ano difícil, o impulso ativado pela dopamina da compra e a vergonha financeira que faz muita gente evitar olhar o saldo ou encarar dívidas. O consumo acaba funcionando como uma forma de fuga emocional, um modo de evitar o desconforto de lidar com a própria realidade financeira. Não é racional; é humano.

E é aqui que chegamos à raiz do problema: muitos adultos compram por impulso porque nunca aprenderam a lidar emocionalmente com o dinheiro. Crescemos ouvindo que falar de dinheiro era feio, tabu, ou assunto restrito aos adultos. Quando finalmente chegamos à vida adulta, precisamos administrar tudo sem ferramentas. Não aprendemos a planejar, a esperar, a frustrar desejos, a conversar sobre dinheiro com naturalidade ou a diferenciar vontade de necessidade. Sem essa base emocional, a Black Friday vira terreno fértil para decisões precipitadas.

Isso não significa que devemos demonizar 'a Black Friday. O que precisamos é utilizá-la a nosso favor, com intenção e preparo. Um consumo verdadeiramente vantajoso começa antes das promoções, com uma lista do que realmente faz falta, com a definição de limites claros e com o compromisso de priorizar necessidades reais, não impulsos momentâneos. Perguntas simples podem evitar problemas sérios: “Eu compraria isso se não estivesse em promoção?” e “Isso cabe no meu orçamento sem comprometer o essencial?” Se a resposta for negativa, vale a reflexão: comprar menos pode custar muito menos do que insistir no “desconto imperdível”.

A Black Friday, que coincide com a sensação de encerramento de ciclo que o fim do ano traz, funciona como um lembrete incômodo e valioso: o consumo é apenas um reflexo da relação que cada pessoa tem com seu dinheiro. E essa relação pode ser reconstruída.

Como com o fim de ciclo há um novo, e a perspectiva de um recomeço, nada melhor do que nos presentear com um início do próximo ano com mais clareza, menos culpa e escolhas mais conscientes. Esse é um presente que não depende de nenhuma promoção, apenas de intenção, educação e de uma nova forma de olhar para o próprio dinheiro.

Prosperidade não nasce do volume de compras, mas da tranquilidade de saber que cada escolha financeira faz sentido.

* Lucia Stradiotti é educadora e terapeuta financeira, mentora, escritora e palestrante premiada, vencedora do XP Educação Financeira Transforma. 

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