Mariana Kotscho
Busca
» OCITOCINA

Uso não autorizado de ocitocina, o ‘’hormônio do amor’’ para sintomas da menopausa causa polêmica

Especialistas discutem os benefícios e riscos do uso da ocitocina em tratamentos não aprovados pela Anvisa

Vanessa Kopersz* Publicado em 27/11/2025, às 06h00

Mulher se espreguiça sorrindo
A ocitocina é liberada durante atividades relaxantes como meditação, yoga ou ouvir músicas calmas. - Foto: Canva Pro

A ocitocina, hormônio associado à amamentação e ao vínculo maternal, tem sido explorada em clínicas ginecológicas para aliviar sintomas emocionais durante a menopausa, onde 79% das mulheres relatam sentimentos negativos como ansiedade e depressão.

Embora a ocitocina tenha benefícios reconhecidos, como a redução da ansiedade, seu uso fora das indicações obstétricas é considerado off-label e carece de evidências sólidas sobre eficácia e segurança, especialmente em tratamentos emocionais.

O uso recreativo do hormônio tem gerado preocupações, pois pode levar a efeitos paradoxais e comportamentos inadequados, enquanto pesquisas em andamento indicam potenciais benefícios para a saúde óssea em mulheres na pré-menopausa.

Resumo gerado por IA

Quando minha filha Luisa, hoje com 17 anos, nasceu, vivi uma experiência ímpar e que deixava muita gente perplexa: mesmo passando por um quadro de forte ansiedade pós-parto e síndrome do pânico, sob estresse das mudanças provocadas pela chegada do meu tão esperado bebê, meu leite jorrava (o que especialistas costumam afirmar é que o estresse seca o leite). Sempre quis amamentar e a fartura me deixou animada. Sob livre demanda, Luisa mamava quase o dia todo e aqueles momentos eram os mais preciosos do pós-parto. Entre muita polêmica na família, amamentei a minha cria até 2 anos e 5 meses. Só parei porque ela ‘’enjoou’’.

Depois, pesquisando matérias sobre pós-parto e maternidade, descobri que aquela loucura por amamentar era meu puro vício em ocitocina, hormônio produzido no hipotálamo, liberado pela hipófise, que tem duas funções cruciais no puerpério: facilitar a saída do leite materno pelos ductos dos mamilos e contrair o útero no pós-parto, fazendo com que não haja perda sanguínea.

Mas a ocitocina também é conhecida por trazer à mãe uma sensação de paz e profunda conexão com o bebê durante o ato de amamentar. Também é liberada naturalmente em resposta a estímulos como o contato físico e em situações de conexão social, como conversas positivas, atividades de grupo, contato com animais de estimação, e durante atividades relaxantes como meditação, yoga ou ouvir músicas calmas.

Veja também

O Dr. José Bento, ginecologista, explica: ‘’A ocitocina atua antagonizando os efeitos do cortisol. Pesquisas demonstram que níveis elevados desse hormônio reduzem a atividade na amígdala cerebral, diminuindo respostas de medo, ansiedade e hiperalerta. Ela também promove vasodilatação, redução da pressão arterial e melhora da variabilidade da frequência cardíaca’’.

 Segundo o Dr. Arthur Guerra, psiquiatra professor da Faculdade de Medicina da USP, da Faculdade de Medicina do ABC e cofundador da Caliandra Saúde Mental: ‘’a ocitocina também age no núcleo cerebral accumbens, reforçando sistemas de recompensa e comportamento de vínculos e cooperativos. Esse hormônio também foi estudado para melhoras no autismo, ansiedade social, depressão pós-parto e nas dificuldades de vínculos. Porém, tratam-se de estudos incipientes que ainda não foram aprovados pela Anvisa’’.

Aproveitando desses benefícios, algumas clínicas ginecológicas focadas em climatério vêm oferecendo injeções de ocitocina como uma ferramenta para amenizar os efeitos mentais que atingem as mulheres na peri e na menopausa : segundo pesquisa da farmacêutica Astellas, 8 a cada 10 mulheres brasileiras (79%) vivenciam sentimentos psicológicos negativos devido ao período, incluindo ansiedade (58%) e depressão (26%).

Essas clínicas também oferecem dispositivos hormonais contendo ocitocina: os famosos (e polêmicos) chips da beleza, que são implantes subcutâneos, do tamanho de um palito de fósforo, que liberam hormônios lentamente no organismo. Os produtos não têm bula nem informações adequadas sobre farmacocinética, eficácia ou segurança. Caso as pacientes apresentem reações ruins quando os utilizam, o processo de retirada é complexo, às vezes exigindo cirurgia.

A onda da ocitocina vai além das clínicas: farmácias e lojas de terapias alternativas também vendem sprays nasais do hormônio, sem receita, prometendo ‘’aumento da libido, vínculo afetivo, regulação do estresse, equilíbrio emocional, e melhora das funções sexuais’’. Porém, muito cuidado nessa hora: ‘’Esses sprays que são vendidos na farmácia não contém ocitocina. São sprays perfumados ou florais possivelmente afrodisíacos, mas não existe ocitocina alguma neles, já que esse é um hormônio super controlado, que tem de ser prescrito por médicos, enquanto que produtos contendo a substância têm de possuir registro na Anvisa’’, alerta o Dr. Guerra.

E mais: ‘’A ocitocina injetável é aprovada pela Anvisa exclusivamente para uso obstétrico, como indução do trabalho de parto, prevenção de atonia uterina e controle de hemorragias pós-parto. Não há aprovação para uso emocional, comportamental ou psiquiátrico, incluindo ansiedade, regulação de humor ou modulação de vínculo. Qualquer aplicação fora da obstetrícia é considerada off-label, sem diretrizes estabelecidas de eficácia ou segurança’’, completa o Dr.Luiz Scocca, Psiquiatra pelo Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da FMUSP e Membro da American Psychiatry Association.  Scocca é enfático: ‘’até o momento, não há evidências sólidas de que a ocitocina traga benefícios relevantes para sintomas da menopausa. Alguns estudos pequenos investigam possíveis efeitos sobre conforto sexual e percepção de vínculo, mas nada suficientemente consistente para recomendação. O tratamento da menopausa permanece baseado em reposição hormonal, quando indicada, e em abordagens complementares com eficácia reconhecida’’.

O uso recreativo do hormônio tem sido notado entre diversas faixas etárias: ‘’algumas pessoas têm buscado a ocitocina para tentar modular emoções, aumentar a empatia ou facilitar interações sociais. Esse uso descontrolado é perigoso porque a substância pode produzir efeitos paradoxais, como aumentar a ansiedade, intensificar vínculos dependentes ou tóxicos e elevar a impulsividade. Como não há padronização de dose nem estudos de segurança prolongada, os riscos são amplificados’’, avisa Scocca.

Já o Dr. Guerra afirma que "a ocitocina não causa dependência química, ou o famoso ‘craving’ mas pode sim provocar o uso nocivo ou inadequado, muito ligado a ansiedade e dependência psicológica. Algumas pessoas acham que através do uso do hormônio há uma melhora de afetos, quase como se fosse um efeito afrodisíaco de alguma forma. Não falo só de libido, mas de relações mesmo, do humor’’, explica. E completa: ‘’o uso emocional repetido da ocitocina, pode, especialmente pelo spray nasal, trazer algum comportamento inadequado, que surge às vezes como ciúme, impulsividade e interações com transtornos do humor’’.

Mas não há só más notícias quanto à utilização da ocitocina para amenizar efeitos da menopausa. Estudo realizado com ratas no fim do período fértil, na Universidade Estadual Paulista (Unesp), mostraram que o hormônio reverteu fatores que antecedem a osteoporose, como a diminuição da densidade e da resistência óssea e também deu um up em substâncias que favorecem a formação do osso. De acordo com a coordenadora do laboratório da Unesp de Araçatuba, Rita Menegati Dornelles, a pesquisa abrange o período da pré-menopausa.

*Vanessa Kopersz é jornalista na luta por um climatério melhor - Menocausa

Quer incentivar este jornalismo sério e independente? Você pode patrocinar uma coluna ou o site como um todo. Entre em contato com o site clicando aqui.