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Violência patrimonial: o abuso silencioso que ameaça a autonomia das mulheres

Advogada de família explica como identificar a violência patrimonial, ainda pouco reconhecida, e como agir em caso de controle do agressor

Redação Publicado em 18/03/2025, às 06h00

Quebrar o celular da mulher também é uma forma de agressão patrimonial
Quebrar o celular da mulher também é uma forma de agressão patrimonial

A violência de gênero tem muitas faces e precisa ser pauta tanto da sociedade quanto da agenda do governo federal para aprimoramento contínuo das políticas públicas. Um dos temas pouco debatidos e com baixo conhecimento dos direitos é a violência patrimonial. Segundo a Lei Maria da Penha, esse tipo de violência é caracterizado por qualquer ação ou omissão que comprometa a integridade dos bens e recursos econômicos da mulher. Isso inclui desde a destruição de objetos pessoais e retenção de documentos até o controle financeiro abusivo e a proibição de trabalhar ou estudar.

Segundo a advogada de família Barbara Heliodora, o objetivo dessas práticas por parte do agressor é limitar a independência financeira da mulher, mantendo-a sob o domínio e manipulação dele. Embora essa forma de violência seja uma realidade para muitas mulheres, a subnotificação ainda é alarmante. Em 2022, o Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos registrou somente 3 mil denúncias relacionadas a crimes contra a segurança financeira das mulheres. Esse número contrasta com as 106,6 mil denúncias de violência psicológica no mesmo período, evidenciando a falta de reconhecimento desse tipo de abuso.

Dados mais recentes de 2024 revelam que, entre denúncias, pedidos de ajuda e esclarecimentos via telefone e WhatsApp, a Central de Atendimento à Mulher (180) registrou 750,7 mil atendimentos. Em média, foram 2.051 chamados por dia. Desses, 132.084 foram denúncias de violência contra a mulher, representando um aumento de 15,2% em relação a 2023. Das denúncias realizadas, 83.612 partiram das próprias vítimas, 48.316 foram feitas por terceiros e 156 pelo próprio agressor.

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Barbara Heliodora destaca que a violência patrimonial é uma estratégia do agressor para manter o controle sobre a vítima. "Ao impedir que a mulher tenha acesso aos seus próprios recursos ou que possa trabalhar e estudar, o agressor busca torná-la dependente, dificultando sua capacidade de romper com o ciclo de violência. Além disso, geralmente, essa violência vem acompanhada de um abuso psicológico, onde existem ameaças constantes de que a vítima não vai conseguir trabalhar e se sustentar sem o agressor"

A subnotificação desse tipo de violência é um desafio adicional. Muitas mulheres não reconhecem que estão sendo vítimas de violência patrimonial ou não sabem como denunciar. Além disso, fatores como vergonha, medo de retaliação e dependência financeira contribuem para a omissão das denúncias.

Para que uma mulher identifique se está sofrendo violência patrimonial, é essencial observar alguns sinais: se o parceiro controla totalmente as finanças, impede que ela trabalhe ou estude, dificulta o acesso a documentos ou bens pessoais, ou até mesmo destrói objetos de valor como forma de punição. “Muitas mulheres não percebem de imediato que estão sendo vítimas, pois o abuso pode começar de forma sutil, como ‘ajustes financeiros’ que, na verdade, são formas de controle e dependência impostas pelo agressor”, explica Barbara.

Caso a mulher identifique essa forma de violência, o primeiro passo é buscar apoio. “Ela pode procurar uma Delegacia da Mulher, registrar um boletim de ocorrência e solicitar medidas protetivas. Além disso, é importante ter uma rede de apoio, que pode incluir amigos, familiares e instituições especializadas no acolhimento de vítimas”, orienta a advogada. Canais como o 180 oferecem suporte e podem direcionar a vítima para os serviços adequados, garantindo que ela tenha acesso à informação e proteção.

A conscientização sobre a violência patrimonial é fundamental para que mais mulheres reconheçam seus direitos e busquem ajuda antes que o abuso escale para outras formas de agressão. O fortalecimento das políticas públicas voltadas para a proteção das mulheres e a capacitação de profissionais para identificar e lidar com casos de violência patrimonial são passos cruciais. Somente com uma abordagem integrada e sensível será possível reduzir a incidência desse tipo de violência e promover a autonomia e segurança das mulheres no Brasil.

"É fundamental que as vítimas saibam que não estão sozinhas e que existem mecanismos legais e sociais para protegê-las e auxiliá-las na reconstrução de sua autonomia", conclui Barbara.