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Influenciadores e “Jogo do Tigrinho”: entenda o que o Direito Digital diz sobre os casos

O direito digital determina direitos e obrigações do cumprimento de regras e leis no mundo virtual

Marina Lucena* e Luiza de Almeida Wanderley** Publicado em 29/10/2024, às 06h00

Pais e mães precisam supervisionar celular dos filhos
Pais e mães precisam supervisionar celular dos filhos

Apenas em 2024, o Brasil foi palco de diversos casos envolvendo influenciadores digitais e os jogos de azar - também conhecido como bets -, sendo o mais famoso deles o Fortune Tiger, popularmente batizado de “Jogo do Tigrinho”. O escândalo que mais repercutiu na mídia foi protagonizado por Deolane Bezerra, que foi presa durante a Operação Integration e teve seus bens, avaliados em R$ 2,1 bilhões, bloqueados pela Justiça.

Essas personalidades famosas também são comumente vistas para promover sites e plataformas de bets, como Neymar Jr. com o cassino online Blaze, e Ronaldinho Gaúcho com a Betcris. Por trás da remuneração que os influenciadores recebem pela divulgação, está o incentivo desenfreado às apostas, que pode levar pessoas ao descontrole financeiro, às vezes acarretando dívidas.

Neste cenário, surge o Direito Digital, que diz respeito às operações jurídicas que acontecem no mundo online. Esta vertente defende pessoas e empresas que têm questões relacionadas a essas atividades, como contratos, uso de imagem, segurança de dados e contas hackeadas, por exemplo.

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Aqui, estamos falando de influenciadores digitais, e-commerces, startups, usuários de redes sociais - enfim, todo mundo que atua nesse ambiente. Costuma-se dizer que a internet é o novo campo de batalha legal, e o direito digital é o escudo que protege quem está jogando.

Influenciadores são frequentemente responsabilizados por propagandas enganosas ou publicidade de produtos defeituosos. O Código de Defesa do Consumidor (CDC) brasileiro determina que todos os envolvidos na cadeia publicitária, incluindo influenciadores, podem ser responsabilizados por promover produtos com falhas ou informações enganosas, criando uma responsabilidade objetiva, ou seja, sem necessidade de provar culpa.

E quando crianças e adolescentes são expostos a conteúdos aos quais não deveriam ter acesso?

Sem dúvidas, a primeira e melhor prevenção será sempre a comunicação, que deve priorizar a desestimulação do envolvimento com apostas esportivas; felizmente, muitas vezes os adolescentes compreendem os riscos associados aos jogos e de fato se afastam dessa atividade. Além disso, é fundamental que os responsáveis monitorem o uso da internet pelos menores, a forma como utilizam o dinheiro e quem eles seguem nas redes sociais.

Por outro lado, também é importante que as casas de apostas possuam mecanismos de validação de idade e identidade, podendo solicitar documentos oficiais, validar informações por meio de sistemas de reconhecimento facial ou verificar os dados por meio de bancos de dados governamentais. No entanto, caso a criança consiga burlar referidos mecanismos, o ideal é que as empresas investiguem, de forma detalhada, como ocorreu a fraude, revisando seus processos de verificação e identificando possíveis brechas; caso os pais considerem que uma empresa não cumpriu suas obrigações de proteção aos menores, um advogado especialista em Direito Digital deve ser consultado, de modo a verificar a responsabilidade da empresa.

Negligência dos pais pode custar caro

De acordo com o Código Civil Brasileiro, especialmente no artigo 932, os pais são responsáveis pelos atos de seus filhos menores. Isso significa que, se um menor sofrer danos em decorrência de acesso a jogos de azar, seus responsáveis podem ser responsabilizados.

No entanto, pelo artigo 26, inciso I, e seu parágrafo 1º da Lei n. 14.790/23, caso seja comprovado que a aposta foi realizada por menor de idade, é possível discutir a nulidade dessa aposta, e isentar tanto o menor quanto o pai de quaisquer dívidas decorrentes. Por outro lado, a empresa de apostas pode alegar que tomou todas as medidas razoáveis para verificação de identidade, e que a dívida é devida.

Sendo assim, reforça-se novamente o diálogo entre pais e filhos. A atração do jovem por essas atividades pode revelar influências sociais, como a pressão de amigos ou a exposição a conteúdos de influenciadores.

Os pais, enquanto responsáveis legais, possuem um dever de cuidado com os menores, o que vai além de simplesmente oferecer um ambiente seguro a eles. Os responsáveis possuem também a responsabilidade ativa de educar e orientar os jovens sobre os riscos das atividades.

Para tanto, deve-se reforçar que falsificar informações pode acarretar penalidades legais, bem como a importância da honestidade e da responsabilidade, ajudando seus filhos a construir uma relação baseada na confiança.

*Marina Lucena é advogada com formação pela Faculdade de Direito de Itu e especialista em Direito Digital, com foco em Influenciadores Digitais. Integrou a Comissão da Jovem Advocacia da OAB Itu e dedica seus estudos jurídicos à Creator Economy.

**Luiza de Almeida Wanderley é advogada formada pela Universidade Presbiteriana Mackenzie, e especialista em Direito Digital e Direito para Startup, e Privacidade e Proteção de Dados Pessoais pelo Data Privacy Brasil. Também é ex-Presidente da Alumni Direito Mackenzie, compõe a diretoria do Digital Rights Association, e Comissão de Direito Digital do Alumni do Direito Mackenzie.