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Do medo à maestria: cavalos como espelho feminino

Saiba como um movimento feminino está mudando a percepção sobre a equitação, promovendo a conexão e a força das mulheres com os cavalos

Mayara Verde* Publicado em 17/05/2025, às 06h00

A fisioterapeuta Mayara Verde - aquivo particular
A fisioterapeuta Mayara Verde - aquivo particular

Durante séculos, os cavalos foram fiéis companheiros da humanidade. Lutaram ao lado dos homens em guerras, carregaram reis e guerreiros, moldaram impérios. As selas foram desenhadas para seus corpos. O mercado da equitação, suas regras, tradições e expectativas foram pensados por e para eles — homens.

E nós? Nós, mulheres, viemos depois. Nosso corpo não foi moldado para isso. Nosso quadril é diferente, nossa força se distribui de outra maneira. Se fosse apenas pela lógica da anatomia, talvez nos dissessem que não deveríamos montar.

Mas montar vai muito além de músculo, ângulos e medidas. Montar é sobre conexão.

Foi essa conexão que me encantou na primeira vez em que subi em um cavalo. Ali, senti um novo panorama de vida: o vento no rosto, a sensação de liberdade que em nenhum outro lugar eu tinha experimentado. Naquele instante, com meus sete e poucos anos, olhando nos olhos do meu primeiro cavalo, eu soube: não poderia viver longe deles. Não era apenas lazer. Não era apenas prazer. Era algo mais profundo.

E por mais que pareça que cresci nesse universo, não foi bem assim. Nasci na terra da garoa, ao lado do aeroporto de Congonhas, onde cavalos só existiam na potência dos motores dos carros. Mas tínhamos um sítio a 80 km de São Paulo, e foi lá que tudo começou.

De um cavalo, passamos a cinco. De cinco baias, construímos quarenta. O que começou como brincadeira virou negócio. Mas, para mim, nunca foi só um negócio. Era meu caminho.

Aos 16 anos, por falta de um instrutor na família, comecei a dar aulas. E nunca mais parei. Fui conquistando meu espaço. Um espaço que, na época, era dominado por homens. Aprendi muito com eles. Sofri também. Mas cada passo me fortaleceu e me deu ainda mais certeza do que eu queria: mostrar ao mundo a transformação que esse ser, o cavalo, pode causar na alma de alguém.

Sonhei em ser treinadora. Tentei. Mas muitos percalços apareceram: cavalos emprestados que eram tirados de mim na última hora, separações que levaram embora o cavalo dos sonhos… Hoje entendo que tudo isso foi necessário. Foi o que me forjou. O que me preparou para meu verdadeiro propósito: transformar pessoas através da equitação fundamental.

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Criei essa bandeira porque me doía ver tanta gente apaixonada por cavalos, mas incapaz de se conectar de verdade com eles. Me formei fisioterapeuta, mergulhei na equoterapia, me especializei em biomecânica do cavaleiro — e percebi que eu não era a única. Outras mulheres também precisavam de um novo olhar.

E então comecei um movimento feminino. Um movimento que reconhece que a mulher não foi feita para montar, porque a fisiologia e até os materiais como a sela não nos favorecem. Mas os cavalos… os cavalos foram feitos para nós. Porque eles refletem a essência feminina: fortes e sensíveis, selvagens e delicados, guerreiros e servos. Não respondem à força bruta, mas à leveza da intenção. Não se dobram a quem tenta dominá-los, mas se entregam a quem sabe sentir.

Apesar de todos os desafios físicos, tudo o que uma amazona precisa é técnica e consciência do seu corpo. É isso que a equitação fundamental ensina. Vai muito além de montar. Ela desenvolve linguagem não verbal, liderança, coordenação motora, percepção corporal e, acima de tudo, autoconhecimento.

Nosso corpo fala, e os cavalos são leitores atentos. Eles não permitem máscaras sociais. Eles nos levam direto ao mais profundo de nós mesmas.

Hoje somos mais de 500 mulheres espalhadas pelo mundo. Mulheres de todas as idades, histórias e estilos — unidas por um mesmo propósito: conexão com o cavalo.

Pode parecer loucura. Pode parecer um universo restrito a poucas. Mas eu te digo: é possível. E é profundamente transformador o que um ser de 500 quilos pode fazer por nós, mulheres, em todos os sentidos.

*Mayara Verde é instrutora de equitação com mais de 16 anos de experiência, fisioterapeuta formada pela PUC-SP, pós-graduada em Fisiologia do Exercício e Biomecânica pela USP e licenciada em Equoterapia pela Ande-Brasil. Fundadora do Instituto MV e da primeira Pós-Graduação em Equitação Fundamental do Brasil, é referência na formação de instrutores e no ensino da biomecânica do cavaleiro.

É treinadora licenciada do Método Franklin (única na América do Sul), credenciada em Centered Riding e membro da Sociedade Internacional de Biomecânica do Cavaleiro. Atuou como Steward nos Jogos Paralímpicos Rio 2016 e hoje é Classificadora Internacional Nível 2 da FEI no Paradressage.

Também lidera programas de desenvolvimento humano e liderança corporativa, unindo equitação, linguagem não verbal e microexpressão facial como ferramentas para transformar comunicação, postura e tomada de decisão.