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Reabilitação facial devolve qualidade de vida a pacientes mutilados

A autoestima é fundamental para nosso equilíbrio emocional e a reabilitação facial também proporciona qualidade de vida

Luciano Dib* Publicado em 08/11/2024, às 06h00

A importância da reabilitação facial
A importância da reabilitação facial

Finalmente chegou o tão esperado dia do casamento, da festa de 15 anos, da formatura, ou da peça teatral para a qual tanto ensaiou. Você acorda eufórica, pronta para se apresentar com a sua melhor roupa, penteado e sorriso para aparecer radiante diante das pessoas e nas centenas de fotografias que serão tiradas. Sua autoestima está lá no alto, e você, pronta para ser o centro das atenções.

De repente, ao se olhar no espelho, você percebe que surgiu uma grande espinha no seu rosto, que a faceta de um dente saiu do lugar ou que seu cabelo “acordou” revolto. Pronto, acabou-se toda a alegria. Aquela autoconfiança que parecia inabalável desaparece instantaneamente.  A sua prioridade agora é encontrar um maquiador, um dentista ou um cabeleireiro, alguém que possa te ajudar a voltar à normalidade, com a segurança necessária para se apresentar em público.

Essa cena não é incomum à maioria das pessoas. Felizmente, esses “pequenos-grandes” problemas se resolvem de forma rápida e não geram grandes consequências.

Agora, para uma enorme quantidade de pessoas afetadas por mutilações faciais, a realidade é bem diferente. Elas acordam diariamente e não se olham no espelho, pois, se assim o fizerem, não se reconhecerão. Algumas delas não têm nariz, olhos ou orelhas, ou outras partes da face e do maxilar. Muitas vezes, a desfiguração afeta a fala, alimentação, convívio social e laboral, impactando significativamente a vida dessas pessoas.

Vivem isso, por exemplo, milhares de pacientes que passaram por tratamento contra o câncer na região de boca e do rosto, vítimas de acidentes, de violência, entre outras causas. Eles são obrigados a conviverem diariamente, por meses ou até anos, com essas deformidades e seus impactos em função da falta de meios adequados para passar pela reabilitação.

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No Brasil, ocorrem mais de 30 mil novos casos de câncer na região de cabeça e pescoço, e muitos deles receberão tratamentos cirúrgicos agressivos e mutiladores. Afinal, em um primeiro momento, o que importa é extirpar a doença e salvar a vida dessas pessoas.  Resignados, os pacientes passam pelo tratamento e, depois, quando a terapia é bem-sucedida e o paciente curado da doença, vem a ressaca física e psicológica. A percepção de que uma parte fundamental da sua identidade foi retirada é devastadora para a autoestima.

A reabilitação física é possível, mas, na maioria das vezes, precisa de uma atenção multidisciplinar, envolvendo médicos, cirurgiões-dentistas, fonoaudiólogos, fisioterapeutas, psicólogos, entre diversos outros especialistas, de acordo com cada situação.

O SUS prevê a reabilitação nos seus regulamentos, entretanto, na prática, raramente os serviços públicos contam com os especialistas necessários nos centros de tratamento espalhados pelo Brasil. No setor do seguro privado, o problema é ainda mais grave, porque a reabilitação é considerada como uma demanda “estética e não é coberta pela maioria dos planos de saúde.

Para que haja a adequada reabilitação física, é preciso a combinação de diversas técnicas, sendo que na grande maioria das vezes serão necessárias próteses confeccionadas individualmente, especialmente para cada paciente, para poder recuperar a porção faltante da face ou maxilar.

Os cirurgiões-dentistas são os especialistas da área denominada prótese bucomaxilofacial. Uma especialidade antiga, que sempre contou com abnegados profissionais que aliam os conhecimentos científicos a habilidades manuais de verdadeiros artistas.  A curva de aprendizado na área é muito longa e a remuneração nem sempre é adequada, especialmente porque a maior mutilação está associada à demora no diagnóstico e maior extensão tumoral, fatos que estão relacionados às desigualdades de acesso ao tratamento as quais as classes sociais menos favorecidas economicamente estão cronicamente fadadas no Brasil.

Nos últimos anos, a tecnologia digital trouxe uma grande revolução nessa área, com a utilização de escaneamento facial, modelos digitais, impressão 3D e confecção de próteses realísticas em silicone, num tempo muito menor e com maior previsibilidade. O Instituto Mais Identidade é pioneiro no Brasil no desenvolvimento dessa metodologia e tem reduzido muito o custo do tratamento, podendo ampliar o número de pacientes atendidos.

Contudo, só a reabilitação física não resolve os problemas dos pacientes. Eles precisam de suporte psicológico intenso e especializado, para que possam lidar com as perdas e ressignificar as suas vidas. A atenção psicossocial é tão ou mais importante do que a reabilitação física, pois, ela é que vai ajudar o paciente a se reintegrar ao convívio familiar, social e laboral.

Sem a reabilitação, a pessoa vive completamente afastada da sociedade, sendo discriminada e rechaçada. Isso gera impactos profundos na autoestima e somente com uma abordagem acolhedora e inclusiva esse estigma será revertido.

É fundamental que a sociedade aja para aumentar a prevenção, acelere o processo diagnóstico e terapêutico, mas, que também lute para exigir o direito à reabilitação, que como o próprio nome diz, habilita novamente o paciente a viver.

Somente poderemos considerar curada uma pessoa que pode voltar a fazer o que fazia antes, que recuperou sua qualidade de vida. Não se pode considerar curada uma pessoa que está sem a doença, porém, que não pode falar, comer, beijar sua família, tomar um copo d’água, trabalhar ou simplesmente se olhar no espelho.

A reabilitação precisa ser encarada como parte fundamental do tratamento. Para isso, os profissionais precisam ser treinados e os centros equipados para proporcionar a verdeia cura, que é a possibilidade de uma vida plena.

médico
O médico Luciano Dib

* Luciano Lauria Dib é fundador e presidente do Instituto Mais Identidade, é cirurgião bucomaxilofacial e professor da Universidade Paulista (UNIP), onde atua como orientador do Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu nas áreas de Estomatologia e Reabilitação e coordenador do Centro de Prevenção e Detecção de Câncer de Boca.