Investir em projetos de vigilância epidemiológica e genômica é um dos principais caminhos para nos prepararmos para futuras pandemias
*Paulo Gropp Publicado em 26/09/2024, às 06h00
A última pandemia, ocasionada pela Covid-19, demonstrou que o mundo pode mudar radicalmente em um curto espaço de tempo, em função do alto potencial de resiliência humana, bem como a dedicação sem precedentes de toda a comunidade médica e científica. No entanto, diante do amplo cenário global, das últimas notícias e projeções feitas acerca do assunto, uma questão latente ainda nos desafia: com tudo o que vivemos, estaríamos agora preparados para enfrentar uma nova pandemia?
A resposta, embora seja clara e aponte para uma série de medidas que ainda podem e devem ser adotadas, é de fato preocupante. Tomemos como exemplo o surto atual de mpox – anteriormente denominada monkeypox ou varíola dos macacos. Dados do Ministério da Saúde do Brasil indicam que entre 2022 e 2024, o país registrou 12 mil casos confirmados da doença, sendo que apenas entre janeiro e setembro deste ano foram mais de mil casos comprovados ou prováveis da enfermidade, um número que já supera o total de notificações de 2023.
Embora seja visto como improvável, temos aqui uma situação bastante significativa. Apesar de termos atualmente uma epidemia confinada ao continente africano, quando avaliamos o contexto da globalização, ter um caso na África, ou em qualquer outro lugar do mundo, significa que há um risco de que isso se torne rapidamente uma epidemia global. Afinal de contas, então nada mudou após nossa última experiência?
A comunidade científica está convencida de que haverá uma nova pandemia, isso é fato. A questão, agora, não é “se” vai acontecer, mas “quando” e “qual será o agente causador” desta nova pandemia. Com isso em mente, ainda durante o período da Covid-19, a Organização Mundial da Saúde (OMS) formou um grupo de países, com a missão de negociar um tratado internacional sobre pandemias, para proteger o mundo de futuras crises sanitárias.
Sabemos que não é possível prever pandemias, mas há algumas medidas que podem ser tomadas para que possamos nos preparar para novos eventos desse tipo - e ter uma resposta mais rápida e eficaz. As medidas podem ser adotadas em diferentes níveis, desde o individual até o comunitário, governamental e global, mas vamos focar na raiz da questão.
Nesse sentido, um dos principais caminhos é investir em projetos de vigilância epidemiológica e genômica, que consistem em monitorar a presença de agentes causadores de doenças em animais selvagens, presentes em diversos locais considerados estratégicos, como é o caso das florestas tropicais. A ciência estima que existam cerca de 1,7 milhão de vírus na vida selvagem e destes, apenas 3 mil são conhecidos por nós, o que deixa em aberto uma infinidade de patógenos com potencial para seguir o mesmo caminho preocupante do Sars-CoV-2, o vírus da Covid-19.
Nesse contexto, as maiores ameaças são os chamados vírus zoonóticos, aqueles organismos que conseguem migrar de uma espécie de hospedeiro para outra, ou seja, dos animais para os seres humanos. Chamado de “spillover”, ou transbordamento, esse processo viral ainda é pouco compreendido pela ciência, mas já tem uma longa história de ocorrências: o HIV, por exemplo, veio dos chimpanzés; enquanto o ebola provavelmente se originou de morcegos.
Uma vez que esses patógenos são detectados em um animal, seu material genético deve ser sequenciado para que os cientistas possam aprender um pouco sobre a história desse agente: de onde ele veio, sua estrutura, seu potencial de mutação e como ele é capaz de migrar entre as espécies.
A exemplo do que tem sido feito para conter a mpox, as medidas que devem ser adotadas para conter novos surtos e potenciais pandemias não devem se limitar à vigilância da doença. É preciso também expandir o acesso a testes de diagnóstico precisos e acessíveis, capazes de diferenciar as variantes circulantes, além do estabelecimento de controles sanitários mais rápidos. Ainda é essencial a preservação do meio ambiente, para que os animais e agentes patológicos fiquem restritos ao seu local de origem.
E por fim, mas não menos importante, precisamos que a saúde pública esteja preparada para uma nova pandemia. Um sistema de saúde robusto e efetivo - incluindo profissionais capacitados, infraestrutura, aquisição de equipamentos e suprimentos - soma investimentos, sim, mas representa a mitigação de impactos quando avaliamos a economia de tempo, divisas e preservação da vida humana em médio e longo prazo. Estar preparado não é uma escolha, mas uma necessidade urgente.
*Paulo Gropp é vice-presidente da multinacional alemã especialista em tecnologia para diagnósticos moleculares QIAGEN, na América Latina.