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A criança sente o que a mãe não nomeia

A criança sente, e por isso o letramento emocional materno é importante para o desenvolvimento saudável de crianças com Altas Habilidades e Superdotação.

Juliana Honorato* Publicado em 26/10/2025, às 06h00

Mãe abraça filha criança
Mães são espelhos afetivos: seus gestos, tons de voz e modos de reagir ensinam à criança como lidar com o que sente. - Foto: Canva Pro

A relação entre mães e filhos, especialmente em crianças com Altas Habilidades e Superdotação, é profundamente afetiva e pode ser impactada pela saúde emocional da mãe, que influencia diretamente o desenvolvimento da criança.

Crianças superdotadas enfrentam desafios únicos, como a dificuldade em se relacionar com os pares e a intensidade emocional, o que torna essencial que as mães reconheçam e expressem suas próprias emoções para criar um ambiente seguro.

Promover o letramento emocional e a autoconsciência nas mães é crucial para prevenir problemas de saúde mental nas crianças, e isso pode ser alcançado através de pequenas práticas diárias que incentivam a expressão honesta dos sentimentos.

Resumo gerado por IA

Há uma conexão profunda nas relações entre mãe e filho, especialmente nos primeiros anos de vida, quando quase tudo é transmitido sem palavras. A criança, ainda sem linguagem formal, lê o mundo pelos olhos, pela respiração e pela presença de quem cuida dela.

E quando se trata de crianças com Altas Habilidades e Superdotação (AHSD) tudo se torna mais profundo e mais intenso. Quando a mãe não consegue nomear o que sente, quando engole o choro, finge que “está tudo bem”, não sente que o filho é acolhido por escola e sociedade ou silencia a sua própria dor, essas sensações atravessam o vínculo entre os dois e se instalam, invisivelmente, na alma da criança.

Fala-se muito sobre a importância de cuidar da saúde mental infantil, mas pouco se fala sobre o quanto esse cuidado começa na saúde emocional da mulher que materna.  E maternar uma criança que tem Altas Habilidades e Superdotação não é simples e nem sempre fácil: essas crianças são intensas, curiosas, questionadoras, fazem centenas de perguntas por dia, algumas não param quietas, algumas tem sensibilidade auditiva que incomoda, tem desafios em se sentir motivadas na escola e elas nem sempre conseguem se relacionar bem com pares da mesma idade (afinal, qual criança de 10 anos está interessada em falar sobre as guerras ou mitologia grega? – apenas um exemplo para ilustrar).

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Mães são espelhos afetivos: seus gestos, tons de voz e modos de reagir ensinam à criança como lidar com o que sente. Se a mãe reprime, a criança aprende a se reprimir. Se a mãe se escuta, a criança aprende a se escutar. Se a mãe se julga e se critica o tempo todo, a criança faz o mesmo. Se a mãe se desregula constantemente quando vê na sua criança dores que ela mesma não trabalhou sobre sua infância, a criança não se sente segura, fica ansiosa e consequentemente se desregula com mais frequência. É nesse espaço entre o que é sentido e o que é dito que se forma a base do desenvolvimento socioemocional.

O termo letramento emocional que é a capacidade de reconhecer, nomear e expressar emoções precisa estar presente em qualquer conversa sobre maternidade e infância. E quando falamos da maternidade atípica como na AHSD mais ainda. Não se trata de ser uma mãe perfeita e equilibrada o tempo todo (até porque isso é impossível). Trata-se de estar disponível para reconhecer os próprios estados internos, acolhendo as emoções com honestidade, expressando-as e colocando-as para fora de formas saudáveis. Essas atitudes simples, mas profundas, criam um campo de segurança emocional onde a criança pode se desenvolver sem carregar pesos que não lhe pertencem.

Crianças Altamente Sensíveis ou Superdotadas percebem com intensidade ainda maior essas sutilezas. Elas captam o que não é dito. Um olhar de irritação, uma tensão no corpo, um silêncio denso, tudo isso é lido por elas como informação emocional. Quando não encontram coerência entre o que veem e o que ouvem (com um “está tudo bem” dito com um rosto cansado), podem internalizar confusão e até culpa, acreditando inconscientemente que algo nelas provoca o desconforto da mãe.

Por isso, cuidar da saúde mental da mulher é também cuidar da saúde mental da criança. Não é egoísmo, é prevenção. Uma mãe emocionalmente consciente e que pratica autocuidado “possível” ensina, pelo exemplo, que sentir não é perigoso; que tristeza, raiva e medo são partes da experiência humana e podem ser acolhidos sem vergonha. Esse tipo de aprendizado emocional é um antídoto silencioso contra a ansiedade, a somatização e o desenvolvimento de transtornos que têm se tornado cada vez mais comuns na infância.

Na prática, o caminho começa com pequenas pausas. Antes de reagir, respirar. Antes de corrigir, sentir. Permitir-se dizer frases simples como “hoje estou cansada”, “fiquei triste”, “preciso de um tempo para mim”. Nomear o que se sente, sem culpa, é uma forma de se educar emocionalmente e de humanizar a relação. Quando a mãe se permite ser humana, a criança aprende que também pode ser.

Educar vai muto além de ensinar boas maneiras e colocar os filhos em boas escolas, é ensinar a sentir com consciência. O que uma mãe transforma em si, ela liberta em seu filho. E talvez esse seja o maior presente que se pode dar a uma criança: um espelho emocional onde ela possa se ver inteira, sem medo do que sente, sabendo que o amor cabe também nas imperfeições.

*Juliana Honorato é terapeuta sistêmica, de libertação de traumas, facilitadora do Método Louise Hay e especialista em Altas Habilidades e Superdotação. Mentora de vida e carreira. Instagram @juhonoratoser e @ajuhonorato.

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