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Dor em crianças e adolescentes: quando o sintoma merece atenção e não desconfiança

Muitas vezes vistas como manha, as dores persistentes podem ser sintoma de doenças crônicas que afetam a saúde física e emocional dos jovens

Dr. Rafael Pessoa* Publicado em 23/08/2025, às 06h00

A dor não pode ser ignorada - pexels
A dor não pode ser ignorada - pexels

“Ela reclama de dor de barriga todo dia, deve ser ansiedade.”

“Dor nessa idade é manha, logo passa.”

“Ele só quer faltar à aula.”

Quantas vezes você já ouviu, ou até falou, frases como essas? A infância e a adolescência são fases de descobertas, mas também de vulnerabilidades. Nem sempre os sintomas são valorizados como deveriam, e muitas vezes dores persistentes acabam sendo vistas como exagero ou frescura. O problema é que, em diversos casos, essa interpretação pode atrasar o diagnóstico de condições de saúde que merecem atenção.

Estudos mostram que dores de cabeça frequentes, dores abdominais recorrentes e dores musculoesqueléticas estão entre as queixas mais comuns de crianças e adolescentes. Elas não apenas atrapalham o rendimento escolar e a prática de atividades físicas, mas também afetam o sono, a concentração e a autoestima.

Imagine um adolescente que falta constantemente às aulas por dor de cabeça, mas é tachado de preguiçoso. Ou uma criança que sofre de dor abdominal diária, mas é vista como ansiosa demais. Além do sofrimento físico, esses jovens passam a carregar o peso de julgamentos e sentimentos de inadequação. Isso pode aumentar a ansiedade, levar ao isolamento social e até gerar sintomas depressivos.

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Um dos grandes desafios está no fato de que a dor é uma experiência subjetiva: só quem sente consegue descrevê-la. Crianças menores, muitas vezes, não sabem explicar com clareza onde ou como dói. Já adolescentes podem esconder ou minimizar seus sintomas com medo de não serem levados a sério.

Por isso, é fundamental que pais, familiares e educadores fiquem atentos não apenas às palavras, mas também ao comportamento: mudanças de humor, queda no desempenho escolar, isolamento ou alterações no apetite e no sono podem ser sinais de que algo não vai bem.

A boa notícia é que hoje a medicina avançou muito no cuidado desses jovens. Em muitos casos, o tratamento é multidisciplinar, envolvendo pediatras, neurologistas, fisioterapeutas, psicólogos e nutricionistas. Essa integração permite abordar a dor não só pelo sintoma em si, mas pelo impacto global na vida da criança.

E há também inovações importantes. Em situações específicas — como epilepsias refratárias, dores crônicas de difícil controle e alguns quadros do espectro autista — a cannabis medicinal tem se mostrado uma aliada relevante.

É natural que esse tema gere dúvidas e até receios. Mas é importante esclarecer: os produtos usados são regulamentados pela Anvisa, com formulações controladas e acompanhamento médico rigoroso.

A ciência já trouxe evidências robustas, especialmente no tratamento da epilepsia refratária, mostrando reduções significativas no número de crises convulsivas e melhora na qualidade de vida. Estudos em dor crônica e autismo também são promissores, embora ainda em desenvolvimento.

Como todo medicamento, a cannabis não é isenta de riscos nem serve para todos os casos. Por isso, a prescrição deve sempre ser feita por profissionais habilitados, após avaliação cuidadosa.

Mais do que discutir tratamentos, o essencial é a atitude de escuta. Quando uma criança ou adolescente diz que sente dor, a primeira resposta não deve ser dúvida ou desconfiança. Reconhecer e acolher essa queixa é o ponto de partida para buscar o acompanhamento adequado e oferecer um futuro com mais saúde, bem-estar e confiança.

Dor não é frescura. E quando olhamos com seriedade para o sofrimento dos jovens, damos a eles a chance de crescerem mais leves, sem o peso do descaso.

*Dr. Rafael Pessoa é médico pela UFRJ, cirurgião geral e empreendedor na área da saúde, atuando como Diretor Médico da Cannect (www.cannect.life), o maior ecossistema de cannabis medicinal da América Latina, desde a sua fundação em 2021. Na empresa, conduz iniciativas de pesquisa aplicada, educação médica continuada e programas de cuidado coordenado para pacientes com condições crônicas. É membro da Sociedade Brasileira do Estudo da Dor (SBED) e da InternationalCannabinoidResearch Society (ICRS), membro-fundador da Associação Médica Brasileira de Endocanabinologia (AMBCANN) e da Associação Panamericana de Cannabis Medicinal (APMC). Além da área médica, possui especializações em Business & Management pela Universityof California Irvine, Universityof Michigan e IBMI of Berlin.