A luta de homens que se deparam com o diagnóstico de câncer e enfrentam tratamentos oncológicos sem perder de vista o sonho de ser pai
Dr.Alfonso Massaguer* Publicado em 23/08/2022, às 06h00
“Quando eu descobri a doença foi um baque, como sempre é. Eu não sabia como sairia daquela experiência dolorosa e assustadora, não sabia de fato quem eu teria chance de ser depois do câncer”. É assim que começa o desabafo de José Carlos Manso Júnior, o advogado que aos 45 anos, está livre da doença, mas quando se deparou com o diagnóstico dez anos atrás, vivia o ápice da vida profissional e uma fase do casamento cheia de planos, inclusive o de ter filhos.
Já estava casado havia um ano e meio, quase dois. Naquele momento a casa era grande demais pra nós dois. Eu sonhava com crianças pelos corredores, imaginava o rostinho de cada uma delas. Naquele tempo passávamos horas falando sobre os nomes e imaginando situações”, conta José Carlos. “Estávamos muito perto dessa realização quando o desconforto em um dos testículos me levou à uma consulta médica. Saí de lá com vários pedidos de exames e uma certeza equivocada. Imaginei qualquer coisa, menos que estava com câncer”, relembra o advogado.
Tudo que José Carlos pensou quando soube que seria submetido a uma cirurgia para retirada de um tumor no testículo é que tirariam dele também a realização de um sonho: “Pra mim seria impossível ser pai depois disso. Nem passava pela minha cabeça diante de tanta tensão e extremo medo, a possibilidade de preservar essa chance”, conta.
O advogado viveu por alguns dias uma espécie de luto psicológico. “Eu estava matando em mim a expectativa. Enterrando filhos que nem tinham nascido”, relata emocionado.
Felizmente, o oncologista alertou sobre a chance do congelamento de sêmen, encaminhou o paciente e reacendeu nele o desejo da paternidade. “Eu diria inclusive, que esse procedimento me manteve tão esperançoso, que ultrapassar o câncer virou uma obstinação. Eu sabia que depois do tratamento viria a melhor parte: a chance de ver meus filhos e contar essa história pra eles”, diz José Carlos.
O advogado procurou uma clínica especializada e fez o congelamento dos espermatozoides. Hoje é pai de Isabella e Rafael, de seis anos.
O ideal é a que a coleta aconteça antes do início do tratamento oncológico para preservar a máxima qualidade seminal. Nem todos os tipos de câncer provocam a infertilidade no homem, mas algumas cirurgias para remoção de tumores no aparelho reprodutor masculino podem provocar lesões irreversíveis”, explica Dr. Alfonso Araújo Massaguer, especialista em reprodução assistida.
O câncer de testículo ou próstata e o linfoma de Hodgkin são doenças que geralmente exigem tratamentos oncológicos de risco para a fertilidade masculina. A quimioterapia, dependendo do tipo de medicamento e da dosagem, pode afetar a produção de espermatozoides. “A intensidade desse risco é maior ou menor dependendo da idade do paciente. Homens com mais de 40 anos tem menor probabilidade de recuperar a fertilidade após o tratamento”, alerta o especialista.
A produção de espermatozoides geralmente retorna entre um e quatro anos após o tratamento, mas em alguns casos pode demorar até uma década e, quando não é recuperada em quatro anos, as chances diminuem significativamente. “A radioterapia na região da pelve ou mesmo no abdômen também apresenta riscos. Mesmo não atingindo diretamente os testículos, a radiação é suficiente para prejudicar não só a quantidade, como a qualidade ou a motilidade dos espermatozoides”, ressalta Dr. Alfonso Massaguer.
José Carlos tinha 35 anos quando descobriu o câncer, uma idade em que o congelamento do sêmen pode ser feito mesmo sem um diagnóstico como este. “A produção de espermatozoides começa durante a puberdade, com aproximadamente 13 anos e se estende por um longo período, no caso dos homens, por isso, muitos carregam a certeza de uma vida mais fértil com tanta segurança”, explica o especialista. “Porém, se a preservação dessa possibilidade fosse garantida mais cedo e com saúde, menores seriam os riscos. Infelizmente as clínicas especializadas ainda são procuradas na maioria dos casos quando já existe um problema iminente e não como estratégia de diminuição do risco”, faz o alerta.
Além do congelamento do sêmen, outras técnicas vêm sendo pesquisadas, entre elas a criopreservação, que faz parte dos estudos avançados de preservação da fertilidade masculina em pacientes oncológicos. Trata-se do congelamento de uma parte do tecido testicular.
A preservação da paternidade tem se mostrado uma dose a mais de força na luta contra o câncer pelas histórias de muitos pacientes, “saber que a Medicina é capaz de tirar o pesadelo e preservar o sonho é um presente. Há seis anos, todo mês de agosto, no Dia dos Pais eu me lembro de uma forma especial que venci o câncer. Meus filhos são sem dúvida alguma, a certeza de que enfrentar essa doença é difícil, mas vencer em família recompensa toda a dor”, finaliza José Carlos, o ex-paciente oncológico e pai de gêmeos.
*Dr.Alfonso Massaguer (CRM 97.335) é ginecologista e obstetra, formado pela faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP) com mais de 20 anos de experiência em Reprodução Humana. É diretor clínico da MAE (Medicina de Atendimento Especializado) que é uma clínica especializada em reprodução assistida. Membro da Federação Brasileira da Associação de Ginecologia e Obstetrícia (FEBRASGO), das Sociedades Catalãs de Ginecologia e Obstetrícia e Americana de Reprodução Assistida (ASRM).
Site da Clínica Mãe: www.clinicamae.med.br