A inclusão financeira é tema fundamental quando falamos em antirracismo
Luciana Pavan* Publicado em 08/11/2024, às 06h00
Desde 1971, o Dia Nacional de Zumbi e da Consciência Negra é celebrado, no Brasil, em 20 de novembro. Entretanto, foi em 2003 que a data ganhou os calendários escolares e, só no ano passado, passou a ser feriado nacional – para somente então alcançar notoriedade de Norte a Sul. Sabemos dos incontáveis gargalos que a sociedade brasileira enfrenta por falta de equidade étnica-racial e por um racismo estrutural, que é transversal às relações sociais, de trabalho e de educação, só para citar alguns dos problemas.
Quando estávamos fazendo uma reunião de pauta – meu time de comunicação e eu – sobre o tema da coluna de novembro, a data inevitavelmente veio à tona. E minha reação imediata não foi outra: será que poderia falar sobre o assunto, posto que sou uma mulher branca? Foi quando nos deparamos com um dado alarmante: um estudo do Instituto Ethos projeta que a diversidade étnico-racial proporcional só seria alcançada em 150 anos. Sabe o que isso quer dizer? Talvez só os nossos netos, sendo otimista, poderão vivenciar essa mudança.
Diante dessa sensibilidade, encaramos o tema como um assunto de máxima urgência e, como mentora financeira, pensei que poderia contribuir com alguns insights positivos. No Brasil – e no mundo –, as desigualdades históricas enfrentadas pela população negra são um grande passivo a ser resolvido. Acredito que estamos na direção de honrar essa dívida histórica, mas ainda há bastante água para passar por debaixo dessa ponte.
Como comentou Cristina Charão em artigo para o IPEA, “construir pontes que aproximem as realidades de brancos e negros no Brasil é um desafio monumental de engenharia social e econômica”. Um tijolinho dessa ponte é sem dúvida a educação financeira. Independentemente da etnia, quando alguém passa por experiências de escassez, o comportamento é 100% voltado para a sobrevivência. E não é novidade alguma dizer que a população negra teve seu acesso precarizado à economia e ao mercado de trabalho.
A educação financeira pode ser uma forma eficaz de começarmos a inverter esse jogo. Mas ela não vem sozinha. Existe uma inclusão, feita por meio de programas sociais que tornam as pessoas bancarizadas. Porém, ter uma conta em banco não significa ser educado financeiramente. A verdadeira inserção financeira é entender o mercado, os produtos, tanto de crédito como de investimentos, e saber escolher o melhor para cada momento da sua vida.
Do ponto de vista da Economia Comportamental, temos uma máxima na área que é a seguinte: o contexto importa muito, seja ele físico ou virtual. Historicamente, a comunidade negra enfrenta uma realidade duramente precária: muito preconceito, poucas chances de educação e profissionais, além de uma grande diferença na remuneração. Há poucos exemplos para se inspirar, quando comparados ao número de brancos que ascendem. É sempre um cenário muito árido, que deixa muitos traumas e marcas emocionais. Tudo isso dificulta demais a tomada de decisão sobre todos os aspectos da vida financeira.
Analisando a conjuntura, acredito que a população negra poderia conseguir sair desse ciclo de vulnerabilidade quando todas as lacunas sociais e econômicas forem supridas: moradia, alimentação assegurada e saúde digna, tendo, portanto, como frequentar uma boa escola e depois uma faculdade decente. Só assim, com essa segurança, é que vejo uma possibilidade para empreender ou entrar no mercado de trabalho ganhando bons salários. O empreendedorismo negro tem um papel essencial no combate às desigualdades, uma vez que é uma das principais fontes de renda dessa população. Alguns ecossistemas de conexão entre fornecedores e clientes negros vêm desenvolvendo um papel muito importante nesse mercado. O Movimento Black Money e o Afroempreendedorismo, do Mercado Livre, são ótimos exemplos.
Essa mudança estrutural depende de uma série de transformações conjunturais. Talvez leve mais tempo do que torçamos, mas isso não impede que nos empenhemos em gerar debates e contribuir para reparações. A meu ver, há muito a ser trabalhado ainda e acredito que a difusão da educação e da inclusão financeira, assim como a promoção de ecossistemas de incentivo ao empreendedorismo, são os caminhos mais exitosos.
* Luciana Pavan é fundadora e idealizadora do 90 Segundos de Finanças