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ODS 5: precisamos falar de igualdade de gênero também nas finanças

A igualdade de gênero é um tema transversal e merece atenção também na área de finanças

*Luciana Pavan Publicado em 12/09/2024, às 06h00

Imagem ODS 5: precisamos falar de igualdade de gênero também nas finanças

Em 2015, a Assembleia Geral da ONU definiu 17 propósitos globais a serem cumpridos até 2030 e dos quais ninguém ficaria de fora. São os chamados Objetivos de Desenvolvimento Sustentável — ou ODS. Como cidadã, acredito que todos são igualmente importantes, mas neste texto quero aprofundar sobre o ODS 5: igualdade de gênero do ponto de vista de finanças pessoais.

Na minha experiência como consultora, atendi diversos perfis: algumas mulheres que eram executivas, haviam quebrado a barreira da diferença salarial e estavam em bons cargos com salários equivalentes aos que são pagos aos homens na mesma posição. Mas também trabalhei com muitas outras que não conseguiram ultrapassar esse obstáculo estrutural. E como isso seria possível? Com consciência obtida por meio de educação financeira. E aqui, gostaria de destacar um ponto: a consciência obtida com a educação financeira pode contribuir com a independência do público feminino.

Uma vez que essa mulher trabalhadora tem ciência dos seus gastos e de quanto precisa ter investido para realizar seus sonhos, ela vai saber dar valor a seu trabalho e pesquisar os salários praticados pelo mercado, independentemente do gênero. Ela vai buscar por oportunidades que supram todos esses pontos ao invés de aceitar “a primeira proposta que aparecer”. Assim, além de ir atrás da independência, também estará contribuindo para a equidade de gênero.

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Por outro lado, li recentemente um estudo com três casos sensíveis que me marcaram muito. No primeiro deles, uma mulher saía de um casamento de quase três décadas. Com quase 60 anos de idade e graduação superior completa, ela nunca havia mexido no site do banco nem havia quitado um boleto individualmente. Tudo, ao longo desses anos, havia ficado por conta do ex-marido e, operacionalmente, de sua secretária. E ele acabava usando essa falta de experiência dela com finanças como abuso psicológico, ameaçando-a ao dizer que ela acabaria com o dinheiro de uma eventual separação no primeiro ano, pois não entendia desse assunto.

O segundo episódio que me chamou atenção foi de uma mulher que passou 15 anos trabalhando para o escritório de advocacia do marido e nunca (!) recebeu um salário. Ele fazia a retirada do escritório, pagava as contas da casa e os cartões de crédito da família. Nem sequer houve chance de ter o próprio dinheiro, mesmo sendo sócia do negócio. Depois de diversas tentativas, conseguiu se separar.

Por fim, uma mulher havia combinado com seu ex-marido que ela se dedicaria a cuidar da filha e abriria mão da carreira. Ele iniciou uma empresa, colocando-a como sócia. A empresa faliu, ela ficou com o nome sujo, sem crédito e com um gap de experiência profissional de uns 10 anos. Ao sair do casamento, beirando os 40 anos de idade, o máximo que conseguiu de salário foi o mesmo valor do começo da carreira.

O que as três têm em comum? Todas relatam que em suas famílias de origem ouviam de seus pais que “dinheiro não é coisa de mulher”, ou que “você não precisa se preocupar com isso agora, vive aqui em casa”, ou seja, nunca houve educação financeira dentro do ambiente doméstico. Inconscientemente, elas acabaram replicando esse modelo vivido em seus relacionamentos, deixando que a figura masculina da casa tomasse conta dos recursos financeiros. Infelizmente, nesses casos, não foi nada saudável.

Por mais absurdo que pareça, essa realidade é muito comum. Portanto, a educação financeira tem um papel fundamental para o público feminino, tanto em sua independência monetária como na liberdade como um todo, facilitando inclusive sair de relacionamentos abusivos. Para se ter uma ideia de como a independência capital é importante, dados da “Pesquisa Nacional de Violência Contra a Mulher” mostram algo alarmante: o percentual de mulheres que sofreram violência doméstica e ganham até dois salários mínimos é 23% maior em relação ao índice do mesmo público cuja renda é três vezes superior.

Em 2023, a professora norte-americana Claudia Goldin ganhou o Nobel de Economia pela pesquisa sobre desigualdade entre homens e mulheres no mercado de trabalho e isso repercutiu mundialmente como um tema que precisa ser bem endereçado. Na minha opinião, seguimos a passos lentos, mas na direção certa. Gostaria que chegássemos nessa tão sonhada equidade em seis anos, em 2030 (como sugere a ONU), mas sinceramente acho muito difícil. O mercado ainda vai levar mais tempo para evoluir, valorizar as experiências não-remuneradas dos currículos das colaboradoras que são mães e, assim, não deixá-las para trás depois do nascimento do filho — um dos principais pontos levantados por Goldin.

Contudo, não podemos recuar. Às mulheres, digo e repito: já andamos um bom caminho e temos mais a conquistar. Entender quem você é e não se deixar desvalorizar fará bem para todas nós. Às empresas, reforço: levem em consideração o ODS 5 da ONU nos planos de remuneração e benefícios, contribuindo para uma remuneração equânime, independentemente do gênero.

*Luciana Pavan é fundadora e idealizadora do 90 Segundos de Finanças.