A relação da geração alpha com o consumo e suas consequências
Ana Claudia Weber* Publicado em 07/08/2024, às 06h00
A Geração Alpha, composta por pessoas nascidas a partir de 2010, surge com uma nova relação e diálogo com o mercado de consumo, caracterizada pelo início precoce no mundo digital e mais independência na tomada de decisões. Esse grupo, nativo digital e hiperconectado, está redefinindo a tendência de consumo, especialmente nas indústrias de beleza e brinquedos.
A crescente exposição das crianças às mídias sociais tem desencadeado mudanças em suas preferências de consumo. Meninas, em particular, estão se afastando dos brinquedos tradicionais e voltando sua atenção para categorias antes consideradas exclusivas para adultos, como maquiagem e skincare. Essa mudança de comportamento é alimentada pela enxurrada de conteúdo publicitário e tutoriais que promovem produtos de beleza de maneira atrativa e lúdica, capturando a imaginação e interesse das jovens consumidoras.
Uma tendência, denominada "Sephora Kids", ganhou destaque nos Estados Unidos, onde grupos de crianças frequentam lojas de cosméticos como se fossem parques de diversões, transformando visitas à Sephora em eventos de celebração, inclusive para comemorar aniversários. Ao mesmo tempo, muitos jovens estão usando o TikTok para compartilhar tutoriais de beleza. Essa mudança de comportamento tem tido um impacto direto nas indústrias de brinquedos e de beleza.
Produtos de beleza têm ganhado cada vez mais espaço na cesta de compras do consumidor. Na Circana, realizamos uma pesquisa que mostrou que a categoria de beleza registrou um crescimento global em faturamento de 14% em 2023 em comparação com o ano anterior*, com o Brasil apresentando um aumento de 10%. Da mesma forma, no painel de consumidores da Circana nos Estados Unidos constatou-se que os gastos em produtos de beleza de prestígio aumentaram 6% em famílias sem filhos, enquanto em famílias com filhos esse aumento foi de 16%. Isso mostra um envolvimento de consumidores jovens com estes produtos.
Na outra ponta, a categoria de brinquedos sofreu uma queda global de 6% em faturamento em 2023 na comparação com o ano imediatamente anterior**, enquanto no Brasil a queda foi de 12%. A categoria de bonecas, que é a líder do mercado brasileiro, foi a segunda com maior queda em faturamento dentro de brinquedos, caindo 12% na comparação com 2022.
Nossas pesquisas ainda mostram que os tipos de boneca com maior impacto negativo são as bonecas fashion (como a Barbie) e mini-bonecas (como a L.O.L. Surprise!). Bonecas grandes e bonecas bebês (como a Baby Alive) também apresentaram quedas de duplo-dígito.
O painel de consumidor da Circana nos Estados Unidos, demonstra que houve uma redução maior nas compras de brinquedos para meninas de até 12 anos em comparação com os meninos. Comparando com 2019, as compras de brinquedos para meninas aumentaram apenas 1% em 2023, enquanto para os meninos esse aumento foi de 12%.
A mudança no comportamento das meninas, reflete uma tendência social e cultural mais ampla. Além do maior acesso a conteúdos de beleza na internet, essa transformação também pode ser vista como um reflexo da busca pela autoexpressão e pela identidade pessoal desde cedo. Os produtos de beleza oferecem uma forma de manifestação criativa e de experimentação com a própria imagem, algo que pode ser especialmente atrativo para as jovens que estão em fase de descoberta e construção da sua identidade. No entanto, é importante notar que essa mudança também levanta questões sobre a influência da indústria da beleza na percepção da imagem corporal das meninas, bem como sobre a necessidade de promover uma diversidade de interesses e brincadeiras saudáveis durante a infância.
Este é um período importante de construção da autoestima, e deve-se ter cuidado para não criar expectativas irreais de beleza. Empresas do setor, como a Drunk Elephant, começaram a anunciar em suas páginas oficiais quais produtos têm fórmulas mais “suaves” que podem ser usadas pelo público infantil. Seguindo o mesmo conceito, a marca Fenzza anunciou em março o lançamento de uma linha de cosméticos para crianças mais segura e acessível.
Enquanto isso, marcas de brinquedos, como a Estrela, estão diversificando seus produtos para atrair novamente o interesse das meninas. Em 2018, a empresa lançou o Estrela Beauty, uma marca de beleza e acessórios para o público infantil e que hoje já conta com 12 pontos de venda físicos.
A indústria de brinquedos tem diversificado os temas nos quais atua, incluindo moda, música, séries e videogames, que tendem a ter maior ‘viralização’ nas redes sociais. Um exemplo disso, foi o grande crescimento da categoria de kits de artesanato no Brasil, impulsionado principalmente pelos kits de missangas para fazer pulseiras e colares, que apresentou um crescimento de 10% em vendas e chegou a faturar R$ 15 milhões em 2023. Por outro lado, o melhor lançamento do ano foi a boneca da Wandinha, personagem da família Adams, que vendeu quase R$ 10 milhões no ano e alcançou a 14ª posição de brinquedo mais vendido no país em 2023. A performance só não foi ainda melhor porque o lançamento da 2ª temporada de sua série do Netflix foi postergado para 2024.
Em última análise, nós, profissionais das indústrias e varejistas, que atendem as crianças da Geração Alpha, especialmente as meninas, temos um papel vital a desempenhar. Devemos nos esforçar para compreender as mudanças e necessidades delas, para atendê-las da melhor forma. É fundamental não apenas garantir sua segurança e bem-estar, mas também proporcionar produtos e serviços que estejam em sintonia com sua realidade.
*Ana Claudia Weber é Diretora de Contas de Varejo da Circana