O TST firmou entendimento sobre a concessão de horário especial para servidores com filhos autistas
Larissa Fortes de Almeida* Publicado em 05/08/2025, às 06h00
O artigo 98 da Lei nº 8.112/90 prevê a concessão de horário especial ao servidor público em três situações:
1) Servidor estudante, cujo horário escolar seja incompatível com o da repartição; nesse caso, é exigida a compensação de horário, respeitada a duração semanal do trabalho. Ou seja, o servidor estudante poderá laborar em horário diferenciado, mas deverá cumprir a totalidade da jornada, mediante o labor em outros dias/horários.
2) Servidor portador de deficiência, quando comprovada a necessidade por junta médica oficial, independentemente de compensação de horário. Nessa hipótese, portanto, o servidor com necessidade especial poderá cumprir horário diferenciado e não precisará compensá-lo.
3) Servidor que tenha filho ou dependente com deficiência. Essa última hipótese é uma extensão da regra prevista ao portador com necessidades especiais, razão pela qual também não seria necessária a compensação do horário (redação da Lei nº 13.370/2016).
A despeito da previsão legal, havia um grande número de processos discutindo o tema quando a deficiência envolvia Transtorno do Espectro Autista, razão pela qual o TST fixou tese jurídica em um recurso repetitivo, firmando entendimento expresso nesse sentido.
Tal entendimento prestigia a previsão expressa do art. 227 da CF/88, que prevê:
“É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão”.
Conforme dados da Organização Pan-Americana da Saúde, o Transtorno do Espectro Autista (TEA) se refere a uma série de condições caracterizadas por algum grau de comprometimento no comportamento social, na comunicação e na linguagem, e por uma gama estreita de interesses e atividades que são únicas para o indivíduo e realizadas de forma repetitiva¹. Soma-se o fato de que o TEA pode vir associado ao Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH), transtorno bipolar, transtorno opositor desafiador, entre outros, os quais exigem atendimento multidisciplinar para um melhor prognóstico.
De tal forma, é de se compreender que um menor com tal diagnóstico tenha uma rotina mais complexa do que a de uma criança média. Nesse particular, a presença dos pais é de fundamental importância para a prestação de cuidados à criança e para o bom resultado dos tratamentos.
Nesses casos, o equilíbrio entre a vida pessoal e profissional acaba sendo comprometido pelos cuidados especiais, sendo incompatível o acompanhamento do filho portador de TEA (Transtorno do Espectro Autista) com uma jornada de trabalho de oito horas diárias. A ausência de redução da jornada da reclamante teria impacto direto sobre o desenvolvimento do filho.
Nessas hipóteses, portanto, o legislador, em consonância com o texto constitucional, prevê a possibilidade dessa redução de jornada, cujo entendimento agora também se encontra pacificado pela jurisprudência. Há que se notar, ainda, que alguns tribunais já têm aplicado esse mesmo entendimento a empregadas celetistas, por analogia ao regime dos servidores públicos federais (Lei nº 8.112/90).
Vale mencionar, contudo, que a tese firmada pelo TST, embora vinculante dos tribunais, pode sofrer distinguishing em situações específicas, quando os fatos envolvidos apresentarem nuances distintas do caso concreto julgado — como, por exemplo, na hipótese de haver negociação coletiva ou individual em sentido contrário. Nessas circunstâncias, por força da Lei nº 13.467/2017, pode haver a prevalência do acordado sobre o legislado.
¹ Disponível em: https://www.paho.org/pt/topicos/transtorno-do-espectro-autista. Acesso em: 8 jul. 2025.
*Larissa Fortes de Almeida é advogada trabalhista e sócia do Andrade Maia Advogados