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Uma história de superação após experiência de parto traumática

Brasileira que mora nos Estados Unidos conta como teve complicações após o parto do terceiro filho e como superou o trauma

Marta Sivis Ribeiro (Titta)* Publicado em 08/11/2023, às 06h00

Titta com a família na Philadelphia, EUA
Titta com a família na Philadelphia, EUA

Sou Bacharel em Administração de Empresas e por 20 anos trabalhei na área financeira. Já tinha tentado um e-commerce de roupas que não deu muito certo mas sempre voltava para a área de finanças.

Meu marido fez high school nos USA quando jovem e sempre foi apaixonado pelos USA, em 2019 surgiu uma oportunidade de nos mudarmos para cá, eu nunca tinha morado fora do país, como gosto do “novo”, adorei a ideia e assim em 2019 nossa resiliente jornada começou.

O destino era Philadelphia, na época éramos quatro, meu marido, eu, minha filha, então com 8 anos e meu menino mais novo de 1 ano.

Aproximadamente 8 meses antes da pandemia começar, aproveitamos muito, conhecemos vários lugares, minha filha então com 8 anos começou a escola e a praticar ginastica rítmica aqui, ela já fazia no Brasil e deu seguimento aqui, aquilo tudo parecia muito magico, as coisas acontecendo, vida caminhando e aí veio a pandemia, eu engravidei e é aí que começa a nossa milagrosa Aventura.

Nós ja tínhamos decidido por “encerrado a fábrica” então quando descobri a gravidez do meu terceiro filho eu fiquei em choque pois, nosso seguro de saúde não cobria obstetrícia e as notícias sobre a pandemia eram as piores possíveis.

Eu descobri muito cedo a gravidez e logo no começo tive um sangramento muito grande e achei que tinha perdido meu bebê. Naquela altura eu já o amava absurdamente portanto quando a médica fez o exame de ultrassom e vimos que ele estava lá, foi de um alívio muito grande.

Durante a gestação eu fiquei muito deprimida. Fronteiras estavam fechadas e não podíamos ver nossos familiares, as consultas médicas eram muito solitárias pois meu marido não podia me acompanhar devido as restrições do Covid. Eu não era fluente em inglês e a cada consulta era um médico ou enfermeiro diferente que me atendia, no entanto o que me deixava feliz era poder escutar as batidas do coraçãozinho do meu bebê em todas as consultas.

O parto do Filippo em Janeiro de 2021 não foi nada fácil, os médicos optaram por cesárea por eu já ter tido duas cesáreas anteriores e por algum motivo a anestesia não saiu como esperava e durante todo parto eu senti muitas dores, sentia as mãos dos médicos mexendo em mim, sentia pressão, sentia como se aquela dor me consumisse e eu não conseguia respirar, eu falava para eles e para o meu marido que estava sentindo muita dor, mas não adiantava, assim que tiraram o Filippo da minha barriga eu lembro vagamente de ouvir meu marido falando sobre como ele era e desmaiei.

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Quando já estava no quarto eu sentia dores na minha barriga como se fossem alfinetadas, meu marido falava com a enfermagem e médicos mas eles diziam que era normal por  ter sido uma cesárea, enfim, na minha cabeça eu sabia que alguma coisa não estava certa.

Tive alta dois depois, e eu me sentia muito  desconfortável, a cesárea por si só já é desconfortável mas estava muito diferente do que das outras vezes, aquela dor de alfinetada ia e voltava e as minhas pernas  estavam muito inchadas. No oitavo dia depois do Nascimento do Filippo as minhas pernas ainda estavam bem inchadas, mas como nas gestações anteriores elas também ficavam inchadas eu achei que iria melhorar e esperei.  Pensei em ir para uma consulta, porém como estávamos no ápice da pandemia, voltar ao hospital me dava muito receio então resolvi esperar para melhorar, tomava bastante líquido e meu marido fazia massagem nas minhas pernas.

No décimo dia pós-parto logo após amamentar nosso “Pippo”, meu filho do meio estava dormindo e minha filha mais velha fazendo lição e quando coloquei o Filippo no berço eu senti algo molhado escorrendo dentre minhas pernas, então corri para o banheiro, me sentei na privada e quando vi eu estava sangrando, mas sangrando muito e aquilo não parava, gritei para o meu marido e disse “algo está errado, eu não paro de sangrar”, e ali fui perdendo minhas forças. meu marido telefonou para minha amiga que morava bem pertinho e disse: Flávia, venha pra cá pois ela está passando mal e preciso da sua ajuda. Ele ligou também para a emergência. Pouco antes da chegada da Flávia eu desmaiei, meu marido conta que ele me pegou no colo e me levou até a sala, me esticou no chão e nisso minha amiga  chegou na minha casa, Flavia era enfermeira no Brasil e teve a ideia de erguer minhas pernas, e quando isso aconteceu e acordei olhei para ela e disse “ mãe é voce?’ e desmaiei mais uma vez, a ambulância chegou, me levaram para a emergência, eu tenho alguns momentos que eu me lembro ate chegar ao hospital pois, acredito que eu acordava e desmaiava enfim não sei.  O que me lembro bem é que quando cheguei ao hospital, na hora que os médicos e enfermeiros fizeram minha transição da maca para a cama do hospital, eu abri os olhos e um enfermeiro apareceu na minha frente e disse “fique com a gente” aquela hora eu pensei nos meus filhos e uma dor muito grande me consumiu, eu sentia todas os cortes da cesárea se abrindo e desmaiei mais uma vez.

Tive choque hipovolêmico, é quando perdemos uma grande quantidade sangue e o coração deixa de bombear sangue para o nosso corpo e alguns órgãos podem ser afetados, médicos tiveram que fazer uma histerectomia, retirada do útero para conter a hemorragia, precisei transfundir 25 bolsas de sangue e, durante a cirurgia a minha bexiga foi perfurada, porém resisti e, graças a Deus e à minha vontade de rever meus filhos, sobrevivi.

No dia seguinte perto do meio-dia ainda em coma tive a sensação que eu estava segurando o meu bebe e ele havia caído dos meus braços, foi ai que acordei, assustada, na hora que eu acordei uma enfermeira estava tirando a urina da minha sonda e ela se assustou pois urrei.  Mesmo amarrada devo ter feito algum movimento que a assustou, eu não sabia exatamente o que tinha acontecido, estava entubada, dolorida, sem ninguém da minha família ali pois ninguém podia me visitar. O médico chegou e me explicou o que tinha acontecido eu entendi muito mal e a minha preocupação era que na minha cabeça eu achava que meu marido não sabia o que tinha acontecido comigo, então quando a enfermeira veio checar como  estavam meus sinais vitais  eu fiz um sinal pra ela de que precisava escrever e ela entendeu, me deu um papel e, com uma letra torta e muito mal escrita eu escrevi “ I love my kids” a enfermeira se emocionou e me disse que eles estavam bem, pedi novamente o papel e escrevi: “call husband”, ela disse que não podia no primeiro momento, mas minutos depois me trouxe um celular, ela tinha o contato dele pois o hospital estava o tempo todo em contato com ele e, quando eu ouvi a voz dele eu chorei muito, não podia falar, só ouvia ele dizer “ está tudo bem, as crianças estão bem, não se preocupe com nada, pense em se recuperar” aquilo me deu um alivio e força  para lutar.

Fiquei cinco dias internada, meu marido estava em casa, cuidando dos nossos filhos, amigos queridos o ajudaram, a igreja da qual frequentávamos nos ajudou também levando refeições para que meu marido não se preocupasse em cozinhar, minha amiga Flavia cuidou do meu bebê com todo amor e carinho nesses dias, um outro grande amigo nosso, o Rick, ajudava meu marido com os outros dois filhos e uma corrente muito bonita de oração e ajuda daqui dos Usa e do Brasil se formou!

Quando fui pra casa tinha perdido 12 kilos, eu estava franca, usando uma sonda, porém muito feliz por estar de volta. No décimo dia, após a emergência, fui ao hospital para a retirada da sonda, eu lembro de ver uma enfermeira tossindo muito no dia e aquilo me deixou encucada,  ainda debilitada com um recém nascido em casa e toda aquela vulnerabilidade e, dito e feito, alguns dias depois eu peguei covid e aquilo fui muito desesperador mas muito mesmo. Por sorte meus filhos não pegaram, somente meu marido, posso dizer que foi tranquilo, eu tinha dor no peito mas tentava não pensar em nada ruim, eu só queria viver e ser feliz, sim eu só pensava em como Deus tinha sido bom pra mim ao ter me proporcionado uma segunda chance.

O dias foram passando, eu fui me recuperando, eu apreciava tudo, passarinhos cantando, até o frio intenso de Janeiro entre 0 e -15 era maravilhoso pra mim, mas em meados de Março o trauma foi me consumindo, os flashbacks vinham na minha cabeça e então pedi para meu marido se podíamos nos mudar daquele apartamento para uma casa pois eu não conseguia mais viver ali naquele lugar onde tudo tinha acontecido. Eu achava que mudando melhoraria, nós nos mudamos mas ainda não foi o bastante, acordava todos os dias pensando que iria morrer, escrevia cartas de despedida para os meus filhos, arrumava toda a casa e deixava as roupas que eles iriam usar nos próximos dias todas separadas para que, caso “alguma coisa de ruim” acontecesse comigo, as coisas ficariam mais fáceis. Foi realmente uma loucura tentar lutar contra a minha mente e meus traumas, um certo dia meu coração começou a disparar, liguei para o meu marido e disse “eu acho que vou morrer, ele veio correndo pra casa, me acalmou e assim eram os meus dias, só a gente sabia, eu não queria compartilhar isso com ninguém, pois sempre me senti mulher forte eu achava que procurar ajuda seria uma atitude fraca, besteira minha.

Eu tentava pensar em como resolver tudo isso e tive a ideia de voltar a estudar.  Mesmo com todas as obrigações que eu tinha, com a casa e filhos pequenos, eu achava que precisava fazer algo a mais para bloquear meus pensamentos ruins. Então resolvi fazer um curso de Consultoria de Imagem, era algo que estava começando a ficar em alta no Brasil e pensei que seria algo bacana para eu trabalhar aqui nos USA futuramente e aquilo iria me ajudar até mesmo na minha auto-estima que já não era mais a mesma. Assim comecei a minha jornada de estudo, eu me sentia melhor, apesar de toda a correria, não tinha tempo de pensar em coisas ruins e me mantive ocupada. Quando me formei, comecei a trabalhar aos poucos, me encantando por essa profissão tão bacana, e hoje me sinto muito feliz e realizada por ter feito essa transição de carreira quando eu menos esperava.

Nós temos um plano, porém as vezes Deus tem outro.

De imediato não entendemos direito o porquê muitas coisas acontecem em nossas vidas mas lá na frente, com o tempo e maturidade a gente percebe o porquê de tudo.

*Marta Silvis Ribeiro (Titta) é Bacharel em Administração de Empresas, por 20 anos trabalhou na área financeira e atualmente mora nos Estados Unidos