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Como o leite humano, com composição única, promove microbiota saudável, neurodesenvolvimento e sustentabilidade planetária

O leite humano não só nutre, mas também promove um microbioma saudável e contribui para a sustentabilidade planetária

Dra. Clery Bernardi Gallacci* Publicado em 04/08/2025, às 06h00

Pesquisas mostram que o leite materno é crucial para a maturação cerebral e o desenvolvimento cognitivo a longo prazo - Canva
Pesquisas mostram que o leite materno é crucial para a maturação cerebral e o desenvolvimento cognitivo a longo prazo - Canva

O leite humano é um sistema biológico dinâmico, fruto de milhões de anos de coevolução entre mãe, lactente e ambiente. Sua composição vai muito além de nutrientes básicos, incluindo mais de 200 oligossacarídeos específicos (HMOs), imunoglobulinas, células vivas, micro-RNAs e um microbioma próprio que coloniza o intestino do bebê.

A microbiota modulada pelo leite humano é dominada pela bactéria Bifidobacterium longum subsp. infantis, espécie essencial para fermentação dos HMOs e produção de ácidos graxos de cadeia curta. Estes compostos fortalecem a barreira intestinal, reduzem inflamação sistêmica e desempenham papel protetor contra doenças como alergias alimentares, enterocolite necrosante e infecções respiratórias.

A comunicação entre microbiota intestinal e sistema nervoso central é crítica no início da vida. Metabólitos derivados da fermentação, como butirato e propionato, influenciam a expressão gênica, a neuroplasticidade e a mielinização. Pesquisas apontam que a amamentação impacta positivamente a maturação cerebral, melhorando cognição e comportamento a longo prazo. Uma delas foi publicada na revista Advances in Nutrition, em 2012, em formato de artigo intitulado "Human milk oligosaccharides: every baby needs a sugar mama”.

Estes conhecimentos atuais sobre a importância do aleitamento e o neurodesenvolvimento colaboram para sustentar artigos científicos da década de 80 onde já chamavam atenção para o nível de Quoeficiente de Inteligência mais elevado entre as crianças que foram amamentadas.

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Aleitamento e Prevenção de Alergias

Segundo a ESPGHAN (2024), Sociedade Europeia de Gastroenterologia, Hepatologia e Nutrição Pediátrica, a amamentação exclusiva até os seis meses é essencial não apenas pelo aporte nutricional, mas por modular a microbiota e reduzir risco de alergias alimentares. Alterações do microbioma intestinal relacionadas ao uso precoce de fórmulas ou interrupção da lactação estão associadas a maior incidência de doenças inflamatórias e distúrbios funcionais gastrointestinais.

O leite humano é um recurso natural, renovável e de baixa pegada ecológica. De acordo com o artigo "The carbon footprint of breastmilk substitutes in comparison with breastfeeding", publicado na revista Matern Child Nutr em 2019, a produção de fórmulas infantis consome cerca de 4.700 litros de água por quilograma de pó e emite mais de 3 milhões de toneladas de CO₂ por ano, além de gerar resíduos plásticos e metálicos. A amamentação elimina transporte, embalagens e descarte, evitando milhares de toneladas de resíduos anuais.

Assim, para cada dólar investido na promoção do aleitamento materno, estima-se retorno de até US$ 35 em custos evitados de saúde e produtividade, ainda de acordo com o artigo citado anteriormente. Amamentar reduz internações, uso de antibióticos e procedimentos intensivos, reforçando seu papel como medida custo-efetiva para sistemas de saúde.6

Em suma, amamentar significa muito mais do que nutrir: é investir em um microbioma saudável, no desenvolvimento cerebral e em um planeta sustentável para as próximas gerações. Políticas que promovem aleitamento exclusivo, licenças parentais e apoio à lactação são estratégias de saúde pública, equidade e ação climática. Estas medidas podem colaborar para atingirmos a meta 5 da Assembleia Mundial da Saúde de 50% de aleitamento materno exclusivo aos seis meses de idade e até 2030 em 70%.

*Dra. Clery Bernardi Gallacci, pediatra e neonatologista do Hospital e Maternidade Santa Joana.

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